Kiyoshi Harada 2 0e052Existem várias controvérsias acerca da aplicação do princípio da responsabilidade objetiva nas diferentes áreas do Direito. Essa responsabilidade tem a sua matriz constitucional no art. 37, § 6º que assim prescreve:

“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

A inclusão das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos no § 6º retro transcrito justifica-se pelo fato de que as concessionárias prestam serviços públicos substituindo-se aos órgãos estatais.

Sabe-se, que pela doutrina vigorante a responsabilidade objetiva prevista no § 6º sob exame funda-se na teoria do risco administrativo, e não na teoria do risco integral, hipótese em que o Estado responde sempre pelo dano mesmo na hipótese de culpa exclusiva da vítima.

Segundo o nosso ordenamento jurídico é possível sustentar a exclusão da responsabilidade do Estado uma vez comprovada a ausência de culpa ou dolo do agente público, assim como, mitigar os efeitos da responsabilidade do poder público em caso de culpa concorrente.

No âmbito do Direito Civil encontramos casos de responsabilidade objetiva previstos nos artigos 399, § único do artigo 927, 931 e 933 do Código Civil; artigo 12 do Código de Defesa do Consumidor; e artigo 2º da Lei nº 12.846/2013 que institui as medidas anti-corruptivas. Não há responsabilidade objetiva no Direito Penal, nem no Direito Tributário. Em ambas as disciplinas é preciso ação ou omissão previstas em lei, imputáveis ao agente para caracterização do crime e do tributo, respectivamente.

A maior dificuldade da aplicação dessa teoria diz respeito às hipóteses de atos omissivos do Estado. Por exemplo, o assalto sofrido por alguém em via pública em plena luz do dia, por falta de serviços de segurança pública. Nessas hipóteses, a jurisprudência tem entendido acertadamente que cabe à vítima comprovar a culpa dos órgãos de segurança pública. Há uma inversão do ônus da prova.

Outra hipótese bastante questionada diz respeito ao ajuizamento da ação de ressarcimento contra o Estado e contra o juiz ao mesmo tempo por decisões danosas decorrentes de culpa.

A hipótese é rara, mas, tem acontecido em algumas oportunidades. A respeito duas correntes doutrinárias existem:

a) a que sustenta ser inviável juridicamente tal postura por colocar em risco o princípio da autonomia e independência do magistrado. Segundo esse posicionamento somente caberia ação contra o juiz em caso de dolo ou de prevaricação. b) a que sustenta ser cabível a ação de indenização contra o juiz em caso de comprovação de culpa na decisão judicial equivocada.

No célebre caso de condenação criminal dos irmãos Naves, na era Vargas, somente o Estado arcou com a responsabilidade, não tendo havido ação de regresso.

A tese, n’um e n’outro sentido deve ser examinada sem paixões. O agir com dolo ou prevaricação extrapola o âmbito do direito civil para adentrar no campo do direito penal. Por outro lado, agir com culpa não se confunde com a decisão acertada ou não acertada proferida mediante regular instrução do processo e exame das provas produzidas à luz do princípio da livre convicção do juiz. Eventuais desacertos dão margem tão somente ao recurso previsto em lei.

O certo é que o § 6º do art. 37 da CF assegura ao Estado o direito de regresso contra o responsável tanto na hipótese de dolo, como na hipótese de culpa.

A extensão da responsabilidade objetiva nas hipóteses de culpa, isto é, de negligência e imprudência está prevista no art. 927 c.c arts. 186 e 187 do Código Civil que assim prescrevem:

“Art. 927 – Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, riscos para os direitos de outrem”.

“Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligencia ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

“Art. 187 – Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

No caso sob comento não há lugar para a aplicação do disposto no parágrafo único, do art. 927 do CC, pois nos termos do § 6º, do art. 37 da CF a ação de regresso cabe apenas em hipóteses de dolo ou de culpa.

O estatuto material vigente difere da disciplina então prevista no
Código Civil de 1916 que caracterizava a culpa pela negligência, imperícia e imprudência. O Código Civil de 2002 determina a indenização pela prática de ato ilícito, assim entendido toda ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência que implique violação e dano a outrem (art. 186), assim como, o exercício irregular de direito pelo seu titular, excedendo manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (art. 187).

O que acarreta responsabilidade civil do magistrado não é o acerto ou o desacerto da decisão judicial que resultou de sua livre convicção, o que pressupõe exame detido das provas produzidas em confronto com o direito invocado na ação. A responsabilidade civil do juiz decorre da negligência que se caracteriza pela inobservância do dever funcional, descuido, indiferença, indolência ou desatenção. Decorre, também, da imprudência que se caracteriza pela ação precipitada sem as cautelas de estilo. Trata-se de uma conduta comissiva, ao contrário da negligência que resulta de conduta omissiva. É raro, mas isso pode ocorrer como, aliás, vem ocorrendo nas demais profissões, principalmente na de médicos.

Nessas hipóteses, cabe a imputação de responsabilidade civil ao juiz, quer na ação de regresso, quer em litisconsorte passivo com o Estado. Na última hipótese, cabe ao autor da ação comprovar cabalmente o ato ilícito praticado pelo magistrado na forma dos artigos 186 e 187 do Código Civil. Em relação ao Estado basta a simples comprovação do nexo causal entre o fato concreto alegado e o dano verificado.

O problema que surge consiste em saber se uma lei especifica pode dispor de maneira diferente do que está no Código Civil. Em relação à responsabilidade civil do advogado dispõe o art. 32 da Lei nº 8.906/74:

“Art. 32. O advogado é responsável pelos tos que, no exercício profissional, praticar com dolo ou culpa.

Parágrafo único – Em caso de lide temerária, o advogado será solidariamente responsável com seu cliente, desde que coligado com este para lesar a parte contrária, o que será apurado em ação própria”.

Dolo e culpa são requisitos da responsabilização civil que se aplicam a agentes públicos ou privados, expressamente previstos no texto constitucional, de sorte que nenhuma lei específica em sentido contrário tem o condão de prevalecer. Não é sustentável, portanto, a tese de que a lei específica prevalece sobre disposições da lei genérica, porque a responsabilização por culpa tem matriz constitucional.

 

* Acadêmico da Academia Paulista de Letras Jurídicas, titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira).