Fonte: Jornal Estado de SP - 9/7/2019

A USP foi a resposta de afirmação do Estado de São Paulo, logo após a Revolução Constitucionalista de 32. Marcou a consolidação do modelo de universidade no Brasil e teve um papel ativo nos principais momentos históricos do país desde a sua criação.

marcos da costa 38aA Revolução de 32 foi fundamental para reforçar um movimento que havia sido lançado por alguns intelectuais, liderados pela Associação Brasileira de Educação. Era um movimento por uma educação mais abrangente e mais moderna, com fomentos à ciência e à tecnologia.

A USP nasceu em um contexto particular da história brasileira. Vivia-se a frustração e a humilhação do Estado derrotado e Universidade foi criada com a clara missão de recolocar São Paulo na liderança econômica e política do país, expressando, assim, a visão de que o conhecimento seria o principal fator de progresso do mundo moderno.

O grande marco do movimento em prol da criação da USP foi o “Inquérito de 1926”, organizado por Fernando de Azevedo, e respondido por professores do ensino normal, secundário, superior e por jornalistas, que partia da constatação de que faltava política do Estado para a educação de nível médio e superior. 

Julio de Mesquita Filho foi o presidente da Comissão de Elaboração do Projeto da USP e como muitos contemporâneos seus, concordava que “jamais se fizera ciência entre nós”. Sobre a criação da USP discursou “... tomaríamos a vereda oposta: criaríamos como elemento fundamental da futura universidade, um instituto onde não se fizesse outra coisa, ... onde a ciência pela ciência fosse a regra e o espírito de pesquisa dominasse todas as consciências […] que maior monumento poderíamos erguer aos que haviam consentido no sacrifício supremo para preservar contra o vandalismo que acabava de aviltar a obra de nossos maiores, das bandeiras à Independência e da Regência à República, do que a Universidade?”.

Para esse projeto político, existia um projeto científico-cultural, claramente definido na fundamentação do decreto da criação da Universidade, assinado por Armando de Salles Oliveira, interventor federal do Estado de São Paulo. Dizia o decreto:

- “Considerando que a organização e o desenvolvimento da cultura filosófica, científica, literária e artística constituem as bases em que se assentam a liberdade e a grandeza de um povo;

- Considerando que somente por seus institutos de investigação científica de altos estudos, de cultura livre e desinteressada, pode uma nação moderna adquirir a consciência de si mesma, de seus recursos, e de seus destinos;

- Considerando que a formação das classes dirigentes, mormente em países de populações heterogêneas e costumes diversos, está condicionada à organização de um aparelho cultural e universitário que ofereça oportunidades a todos e processe a seleção dos mais capazes;

- Considerando que em face do grau de cultura já atingido pelo Estado de São Paulo, com Escolas, Faculdades, e Institutos, de formação profissional e de investigação científica, é necessário e oportuno elevar a um nível universitário a preparação do homem, do profissional e do cidadão,

Decreto:

Art. 1º - Fica criada com sede nesta Capital, a Universidade de São Paulo.

Art. 2º - São fins da Universidade: a) promover, pela pesquisa, o progresso da ciência; b) transmitir, pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o espírito ou sejam úteis à vida; c) formar especialistas em todos os ramos de cultura, e técnicos e profissionais em todas as profissões de base científica ou artística; d) realizar a obra social de vulgarização das ciências, das letras e das artes, por meio de cursos sintéticos, conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e congêneres”.

Nesse ato de fundação, encontra-se o núcleo do que viria a ser a USP e, não menos verdade, do que seria, a partir daí, o paradigma do ensino superior no Brasil que foi decisivo para mudar a face de ensino, pesquisa e extensão – que são os três pilares sobre os quais se assenta a vida de toda instituição universitária digna desse nome.

No cerne do processo esteve a criação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. Ao redor dessa célula mater se desenvolveria a vida universitária por excelência.

É verdade que, bem antes do decreto, já se notabilizavam a Faculdade de Direito, a Escola Politécnica, a Faculdade de Medicina, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), as Faculdades de Farmácia, Odontologia e Medicina Veterinária. Mas foi a criação da Faculdade de Filosofia que levou à mudança do panorama intelectual e científico brasileiro.

A origem da USP, de certa forma, retroage à saga de 1932: os paulistas imaginaram que deveriam vencer pela educação, pela ciência e pela cultura. Scientia Vinces, Vencerás pela Ciência, é o lema que está inscrito no brasão de nossa Universidade.

Marcos da Costa é advogado e foi presidente da OAB de São Paulo de 2013 a 2018.