Fonte: Folha de SP - Debates 7/3/19
Não há brasileiro que ame seu país que não seja contra a corrupção, o aparelhamento do Estado em benefício próprio e a impunidade. Numa democracia, porém, é fundamental que se respeite o mais sagrado direito da cidadania, inexistente nas ditaduras, que é o direito de defesa.
Não sem razão, o constituinte, depois de declarar, no artigo i°, que o Brasil é um Estado democrático de Direito e, no segundo, que os Poderes são harmônicos e independentes, estabelecendo, no art. 5º, um enorme elenco de direitos e garantias individuais e, nos arts. 92 a 135, a maneira pela qual as três instituições, essenciais a que a democracia e a justiça caminhem juntas, deu ao Judiciário, ao Ministério Público e a advocacia a função de preservar tais valores fundamentais ao povo brasileiro.
A imparcialidade e a serenidade do Poder Judiciário, o papel acusatório, mas ponderado, do Ministério Público e o direito de todo o cidadão de ter a ampla defesa —o adjetivo ampla está no art. 5º, inciso LV, que garante tal equilíbrio— são características que, se bem utilizadas, servem ao Estado e à sociedade.
Por outro lado, para que o Estado possa permitir o desenvolvimento social, precisando de recursos para que os servidores públicos sirvam à sociedade e não dela se sirvam, estabeleceu que a política tributária seja justa e estimuladora do crescimento e não apenas provedora de castas privilegiadas no poder, como ocorre em ditaduras semelhantes à da Venezuela.
Ora, a democracia brasileira, assim idealizada pelo constituinte de 1988, ainda carece de ajustes, pois as três instituições do título deste artigo, embora com indiscutíveis expressões nacionais em seus quadros, neles tem uma visão elitista e acima das obrigações a que deve estar submetido todo cidadão.
Exemplos claros foram a operação tartaruga dos agentes da Receita, que não queriam se submeter às vistorias a que todos os brasileiros estão sujeitos; a permanente invasão de competência do Legislativo em suas atribuições pelo Judiciário; a cinematográfica atuação por parte do Ministério Público em auto-outorgada invasão de atribuições próprias da polícia judiciária, atingindo o exercício da advocacia.
É de se lembrar que na Constituição o Poder Judiciário é Poder, mas a advocacia e o Ministério Público são funções essenciais à administração Justiça em igualdade de condições, não estando o advogado sujeito à supervisão ou ao controle do Ministério Público, como recentemente ocorreu, com a pretendida quebra de sigilo de um dos mais respeitados e brilhantes causídicos da história do país.
Numa verdadeira democracia, não há instituições acima de qualquer suspeita nem instituições que se auto-outorguem poderes sobre outras colocadas no mesmo patamar.
Como um velho advogado —60 anos de formado— e tendo participado de três bancas examinadoras para a magistratura federal e estadual, para escolher, com meus companheiros de julgamento, menos de cem magistrados entre mais de 5.000 concorrentes, creio que os ilustres membros destas instituições deveriam pensar se não seria o momento de o Judiciário apenas julgar e não legislar, de o Ministério Público somente acusar, sem espetacularização e se tiver absoluta certeza do fato, e a Receita Federal, em face da caótica legislação tributária, ser mais orientadora que geradora de autos legais e ilegais.
Nos novos tempos da República, não só ao Executivo e ao Legislativo cabe a preservação da democracia, mas às instituições mencionadas, visto que, em um estado policialesco e persecutório, corre-se sempre o risco de cair na pior das ditaduras que é a ditadura dos “inimputáveis”, que se consideram, por sua formação, como os verdadeiros “salvadores da pátria”, embora não eleitos pelo povo.