Crédito: Jornal SP Norte - 9 de fevereiro de 2018 - 

dirceo torrecillas ramos 48Escrevi em 8 de março de 2012, prevendo e hoje chegou o momento, por isso transcrevemos o artigo Ficha Limpa: tudo resolvido. Acabou a corrupção.

A Lei da “Ficha Limpa”, embora aprovada pelos Legislativo e Judiciário, padece de vícios. Alguns deles superados, outros superáveis e temos os que não serão vencidos. O fato de dever acatar as decisões não obriga a concordar com as mesmas.

A suspensão dos direitos políticos para oito anos, o alcance daqueles que renunciavam para escapar das punições ou daqueles que desfaziam o vínculo conjugal ou de união estável para evitar a caracterização de inelegibilidade são pontos positivos. Entretanto, a suspensão dos direitos políticos, a partir do cumprimento da pena e não da decisão causará polêmicas.

Das questões superadas, poderemos citar o artigo 16, da Constituição Federal, que determina a aplicação à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência. Se ela não pode ser aplicada na última disputa, para a próxima o obstáculo inexiste. Quanto ao princípio da legalidade está colhendo atos ocorridos posteriormente à sua publicação e vigência, mas ainda aplica-se a outros anteriores.

Permanece insuperável quando quebra o princípio da presunção de inocência, cláusula pétrea, conquista de séculos de evolução. Muitos condenados por um colegiado e poderá ocorrer em primeira instância, como na Justiça Militar, serão absolvidos. O próprio Ministro Luiz Fux quando no Superior Tribunal de Justiça recomendava as decisões cum granu salis, ou seja, com temperança para não se cometer injustiças e muitos acusados tiveram suas condenações, por colegiados, reformadas. Hoje, o mesmo Ministro é a favor da “Ficha Limpa” mais rigorosa. Significa que muitos inocentes, ao assim serem julgados, já foram indevidamente punidos. Daí a necessidade de transitar em julgado. Certamente, nestas hipóteses ocorrerão as ações de indenização contra o Estado. Acrescente-se que as decisões colegiadas permitem recurso, com efeito suspensivo, da inelegibilidade, sempre que houver plausibilidade. Evidentemente, todos recorrerão e a Lei será aplicada após o trânsito em julgado, quando não couber mais recurso. Isto, também, para os recursos anteriores à norma, porque se ignorava a possibilidade, em razão da inexistência da lei permitindo o aditamento solicitando a suspensão da interdição de direitos. Se não for considerado plausível, o direito, surgirão os argumentos fundamentados no princípio da isonomia. Corre-se o risco de atingir mais intensamente os inocentes e perseguidos políticos com processos do que os corruptos que se utilizam das artimanhas e todos os recursos. A ideia desta Lei está sendo aplicada no âmbito de estados-membros e de municípios, não apenas para cargos eletivos, mas para os de confiança e pretende-se ampliar às ONGs. O conflito aumenta, o uso político de processos virá, poder-se-á estender à iniciativa privada e em todos os casos enfrentar o direito ao trabalho de muitos honestos.

O Ministro Gilmar Mendes, do STF, afirmou que a Lei da “Ficha Limpa” é uma roleta-russa e poderemos acrescentar: “com todas as balas”, ou seja, morrer ou... morrer. Já tive oportunidade de escrever, nesta coluna, quatro artigos sobre a matéria: “Ficha Limpa – Constitucionalidade”, de 14 a 20 de maio de 2010; “Ficha Limpa e a Segurança Jurídica”, de 25 de junho a 01 de julho de 2010; “Ficha Limpa Inconstitucional não poderá substituir a morosidade: onde está a imoralidade?”, de 13 a 19 de agosto de 2010; e Ficha Limpa – do nada a coisa alguma”, de 8 a 14 de outubro de 2010, e voltamos agora ao tema. Como vimos, todos e principalmente os maus, com recursos suspensivos e a morosidade permanecerão impunes. O povo, autor do projeto, ficará com a aparência de que tudo está resolvido e acabou a corrupção, mas as coisas continuarão como antes. Quando surgirem os efeitos, aumentarão incomensuravelmente os processos, de indenização, pelos honestos. O congresso fará uma revisão do texto. Porque não fazê-lo já, aproveitando as virtudes da lei, corrigindo as falhas, tornando correta, justa, eficaz e provocando julgamentos mais rápidos.

Será que o interesse é procrastinar, daqui alguns anos começar tudo novamente, e sabe-se lá quando serão alcançados os improbos imorais?