Fonte: Opinião.Folha.Uol - 7/12/18 -
É preciso se afastar da cultivada areia movediça ideológica
Após uma conturbada eleição, as bases vão se firmando, e as expectativas crescem. Nesse contexto, além das reformas almejadas, a grande preocupação é a educação, por se tratar da única via capaz de solidificar a longo prazo um verdadeiro desenvolvimento político-econômico, acompanhado do necessário florescimento individual e social, ao preparar novas gerações que pensem por conta própria, pela bagagem cultural, científica e humana acumulada.
A propósito do tema, gostaria de trazer à reflexão, de forma sintética, algumas noções do professor Lon Fuller, da Harvard Law School, em quem me especializei e que me atraiu não só pelos seus interessantes princípios de ordem social fundamentados na liberdade, mas por sua profunda preocupação pela formação acadêmica, à qual se dedicou integralmente. Ainda que se tenha ocupado especialmente da área jurídica, podem-se extrair de seus escritos sólidas ideias mestras aplicáveis, mutatis mutandis, às diversas esferas do conhecimento.
Primeiramente, destacava a necessidade de ajudar a refletir e ir aos porquês. Não só métodos e técnicas: treinar homens para que pensem, e, não necessariamente como nós, doutrinando ou impondo as próprias convicções, mas com responsabilidade, auxiliando os alunos a ganhar altura e profundidade em seus estudos e preparando-os para resolver os problemas inerentes ao exercício de sua profissão, em serviço à sociedade. Afirmava que a faculdade deveria ser uma represa de conhecimento.
Para tal, instigava os alunos a estudar seriamente, de forma ampla e interdisciplinar, com uma mente aberta à cultura e ao contexto social. Exaltava ainda o papel da filosofia na formação acadêmica, para que esta não degenerasse em puro pragmatismo. Nesse sentido, preconizava que o despertar filosófico também facilitava a abertura de mente à polis e ao interesse público, concentrando-se na realidade para entender melhor as relações humanas em sociedade e sua prosperidade como um todo. Por essa razão, enfatizava que “injustiças se fazem não com os punhos, mas com os cotovelos” .
Sublinhava ainda o papel do professor, fomentando um verdadeiro interesse pelos alunos. Dizia que desejava ser uma “vela de ignição” —que entusiasmasse os demais no exercício de sua profissão para que desenvolvessem sua capacidade de cooperar para a boa ordem social— e não “um cobertor úmido” , que destemperasse os genuínos ideais que, em princípio, deveriam mover a escolha de uma carreira, encarcerando-os no pacto da mediocridade ou do autointeresse.
Em suma, as palavras-chave de sua proposta educativa abrangente são: estudo, reflexão, liberdade, responsabilidade, dimensão social e dedicação pessoal do docente. Nesse sentido, é inerentemente ética, já que de algum modo projeta para os pressupostos aristotélicos de felicidade: a excelência, a amizade e a verdade.
À primeira vista, poderia até mesmo dar a impressão de que a teoria do autor apresenta uma proposta ingênua. Porém, adentrando em sua obra, percebemos que Fuller não ignora os problemas políticos; a escassez; a discórdia; a dissimulação e a falibilidade humana, mas oferece uma solução otimista, e, ao mesmo tempo, plausível, por realista.
Mudanças sólidas não se efetuam rapidamente. A crença na educação como alicerce do progresso terá pela frente uma árdua tarefa para deslocar a cultivada areia movediça ideológica. Porém, trabalhar no positivo será a solução: desde o foco na alfabetização e no aprendizado à promoção do ensino superior, horizontal e verticalmente, a partir do fomento de um raciocínio realmente produtivo. Dessa forma, os problemas futuros se resumirão em como administrar tanto desenvolvimento. Investindo seriamente na educação, não faltarão cidadãos preparados e capazes de enfrentar corretamente o desafio.