O título destes comentários pode parecer algo estranho, mas eu o explico: Meu saudoso mestre Professor Heraldo Barbuy, com quem tive aulas no “Convívio – Sociedade Brasileira de Cultura” demonstrou em obra clássica, intitulada “Marxismo E Religião” (São Paulo, Editora Convivio, 1974) que a doutrina criada por Marx, longe de ser uma teoria filosófica, política ou econômica, é na realidade uma religião, uma religião paradoxalmente ateia e materialista, e mais especificamente, uma contrafação do Cristianismo.

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Razão assistia a Heraldo Barbuy, professor da Faculdade de Economia da Universidade de São Paulo, uma vez que o postulado básico, sobre o qual Marx construiu toda a sua doutrina, é o primado do fator econômico sobre todos os demais, nas relações humanas. Ora, este primado do fator econômico não é passível de nenhuma demonstração científica: É ao revés um dogma, como para os católicos é o dogma da Santíssima Trindade, ou o da Virgindade de Maria...

Eu, modestamente, tenho dado em meus escritos algum desenvolvimento à tese de Heraldo Barbuy. Assim, e por exemplo, tenho dito que a múmia de Lenin exposta na Praça Vermelha, em Moscou, é uma contrafação grotesca do Santo Sepulcro de Jerusalém, e que os cartazes com as figuras de Marx, Engels e Lenin, exibidos na extinta União Soviética nas comemorações do Partido Único, eram uma contrafação dos ícones da Igreja Ortodoxa Russa.

A todos os fundadores de sistemas religiosos, e aos seus seguidores mais ilustres, atribui a tradição o poder de obrar milagres. A pergunta que se planteia é a seguinte: Isto se aplica a Marx, Lenin, Stalin e outros?... eu creio que a resposta é afirmativa, embora os milagres destes senhores, em geral, tenham acarretado malefícios para quem os recebeu... malefícios para os “abençoados”...

Jesus Cristo, de acordo com os evangelistas, realizou o milagre da multiplicação dos pães. Ora, Marx, por meio da sua doutrina, realizou e tem realizado continuadamente o milagre da multiplicação dos pobres!... com efeito, onde quer que o Marxismo tenha se implantado como forma de governo, aumentou assustadoramente o número de pessoas pobres... este milagre é do profeta, de Marx, mas e os seus seguidores? Respondo: “São” Wladimir Lenin realizou o milagre de estagnar a economia da Rússia. De exportadora de trigo à época dos czares, a Rússia passou, sob “São” Wladimir Lenin, a depender do trigo estrangeiro.

Agora, milagre grande mesmo, dos bons, foi o realizado por “São” José Stalin: Em um número muito pequeno de anos, ele mandou aproximadamente trinta milhões de pessoas para a Vida Eterna, em que ele próprio não acreditava, nos célebres confiscos de safra da época da coletivização da terra...

Há um outro milagre que atribuo não a Marx, Lenin ou Stalin, mas sim à própria doutrina marxista. Este milagre é o da proliferação infinita dos intelectuais. É um milagre maravilhoso: Basta que um indivíduo, mesmo analfabeto, se declare marxista, se proclame “de esquerda”, para que ele vire, “ipso facto” um intelectual, aos olhos dos seus irmãos de crença, do Partido Único e da imprensa desse partido... provo a assertiva: Ao tempo do regime militar no Brasil, foram abundantes as “passeatas de intelectuais.” E o teatrólogo Nelson Rodrigues, com a sua inimitável verve disse que, na passeata a que assistira, “tinha tanto intelectual, mas tanto intelectual, que eu só reconheci a Nara Leão.”

Um derradeiro milagre, este dos governantes que seguem a religião marxista, é o do estancamento da criatividade artística dos povos. Um só exemplo basta: Implantado o Comunismo na Russia, nunca mais surgiu naquele país um escritor da estatura de um Tolstoi, um Dostoiévski, ou um Turgueniev... se isto aconteceu na Literatura, outro tanto ocorreu na Música: A criatividade morreu com Tchaikovsky, Borodin, Glinka e outros.

Tudo bem considerado, trata-se de milagres que os homens livres fazem questão de dispensar!... são afinal “milagres desumanos.”

  • Acacio Vaz de Lima Filho, Livre-Docente em Direito Civil, área de História do Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, é acadêmico perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas