Os que desconhecem a História, os que não têm a menor noção do que seja o “Common Law” e em geral aqueles que são jejunos em matéria de Direito Público Inglês, costumam dizer com a boca cheia que “O Rei da Inglaterra é uma figura apenas decorativa, que não manda em nada, uma vez que o Poder é do Parlamento, e quem realmente governa é o Primeiro Ministro.”

acacio vaz de lima filho 60Como toda assertiva simplista, a formulada acima tem que ser recebida com muita cautela. É verdade que no “Governo de Gabinete” o partido político majoritário nas eleições é aquele que, por meio do Primeiro Ministro, exerce o governo do Reino Unido. E é por igual verdadeiro que o Primeiro Ministro ficará no cargo, enquanto durar a confiança nele depositada pelo eleitorado. Mas daí a inferir que o Rei é “apenas decorativo” vai uma longa, aliás uma imensa distância!...

O Rei da Inglaterra é o símbolo nacional por excelência. E se ele não tem propriamente o Poder, tem algo muito mais importante, muito mais vasto, que é a Autoridade. E este dado é muito sério, prenhe de consequências políticas, jurídicas e éticas.

Afinal, o que é a Autoridade? Hannah Arendt, em “Entre O Passado E O Futuro”, abraça a opinião de Theodor Mommsen, para quem a autoridade “é mais do que um conselho, e menos do que uma ordem.” Em Roma a “Auctoritas” (Autoridade) estava nas mãos do Senado, ao passo que a “Potestas” (Poder) era detida pelo “Populus Romanus” (Povo Romano). Em nosso livro “O Poder Na Antiguidade – Aspectos Históricos E Jurídicos” (São Paulo, Icone Editora, 1999), abraçamos a lição de Hannah Arendt, concordando com ela, outrossim, no que tange ao desaparecimento da “Autoridade” no Mundo Moderno.

Podemos reafirmar com segurança que o monarca inglês, embora não seja detentor do Poder, possui a Autoridade, que está muito acima do Poder!... e não é demais lembrar aqui que o saudoso Professor Alexandre Augusto de Castro Corrêa concordava conosco, quando afirmávamos outrora (e de resto o afirmamos inda hoje...) que na sua evolução, doutrinária e jurisprudencial, o Direito Romano está muito mais próximo do “Common Law” do que os ordenamentos jurídicos da Família Romanística. Tudo considerado, o Rei da Inglaterra tem um enorme papel político, as suas inclinações pessoais e opiniões importando muito para os seus súditos, ao contrário do que pensam os que analisam as coisas superficialmente.

As considerações até aqui feitas são propedêuticas à abordagem do seguinte assunto: --- No filme “O Discurso do Rei” (The King’s Speech), feito há alguns anos, mas que vi há poucos dias, é repetida uma das grandes mentiras que cercam a II Guerra Mundial e os seus antecedentes, a saber, que o Rei Eduardo VIII teria abdicado ao trono inglês “por amor” a uma mulher, e mais especificamente, “por amor” à divorciada americana Wallis Simpson. O Rei é o chefe “a temporalibus” da Igreja Anglicana, e sendo interdito aos membros da Família Real casar com pessoas divorciadas, Eduardo VIII abdicou em favor do seu irmão mais moço, o Duque de York, que foi coroado como Jorge VI (pai da atual Rainha). E casou com a tal divorciada...

É esta a versão oficial dos fatos, e constitui uma das grandes petas da História Contemporânea. A rigor, Eduardo VIII era um grande admirador e simpatizante da Alemanha, mantendo relações de amizade com o Marechal Goering. Percebia que o III Reich era a única barreira séria ao Comunismo na Europa e no Mundo. E estando ele no trono inglês, jamais a Inglaterra entraria em guerra contra a Alemanha... ora, isto não interessava aos banqueiros internacionais e aos seus aliados naturais, os bolchevistas. E assim foi montada a farsa da “paixão pela divorciada” para que Eduardo VIII fosse afastado!... a farsa funcionou tão bem quanto a recentemente montada, no sentido de que o Papa Bento XVI teria abdicado “por motivos de saúde.” E a Inglaterra foi lançada na voragem da II Guerra, sacrificando a sua brava juventude, e cavando, ela própria, a sepultura para o seu império colonial...

Esta não é, por certo, a maior mentira que cerca a última grande guerra. Mas é uma das maiores. Em tempo, motivos dinásticos e familiares atuavam no ânimo do jovem Rei Eduardo VIII, ao não querer uma guerra contra a Alemanha: --- A rigor, a atual dinastia que governa a Inglaterra não é “inglesa”, mas alemã: --- Trata-se da Dinastia de Saxe-Coburg Gotha que, na Primeira Guerra Mundial, mudou o nome para “Dinastia de Windsor”... Jorge V, pai de Eduardo VIII, era primo-irmão de Guilherme II, que fora o Kaiser (Imperador) da Alemanha. E assim por diante. O pesquisador da História não pode desprezar o que está no “substractum” das versões oficiais dos fatos. Tais versões, não raro, são mendazes, enganosas...

*Acacio Vaz de Lima Filho, Livre-Docente em Direito Civil, área de História do Direito, pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, é Acadêmico Perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas, titular da cadeira de nº 60, patrono: Luiz Antonio da Gama e Silva