Costumo dizer que os artistas são os prediletos de Deus, o que lhes permite intuir a verdade, muito antes que os cientistas a ela cheguem...assim, e “verbi gratia”, Shakespeare mostrou em Otelo o criminoso passional, em Hamlet o louco criminoso, e em Macbeth o criminoso louco, muito antes de a Escola Positiva elaborar a sua conhecida classificação dos criminosos... Cervantes, no D. Quixote, se antecipou a quaisquer psiquiatras, no estudo da monomania. E assim por diante, “ad infinitum.”

Creio que o nosso Machado de Assis, com a sua genialidade, profetizou a insânia jurídica ora vivida no Brasil, e protagonizada por um membro do Ministério Público Federal, o Dr. Rodrigo Janot, que, em função da gravidade intrínseca do seu “munus”, deveria ter sido, no desempenho do cargo, um paradigma de prudência e de seriedade.

A obra em que o gênio do Cosme Velho lobrigou, de certa forma, o “agire” açodado e irresponsável do Procurador Geral que acaba de deixar o posto, é “O Alienista”, uma crítica finíssima ao “Cientificismo” do século XIX que, como o demonstrou Ataliba Nogueira em “Antonio Conselheiro E Canudos”, acabou por ser anti-científico! ... O Dr. Simão Bacamarte, psiquiatra, instalou em Itaguaí a sua “Casa de Orates”, a “Casa Verde”, e passou a nela internar, compulsoriamente, todos aqueles que, segundo o seu exclusivo critério, sofriam de moléstias mentais. Chegou a internar a própria esposa, Dona Evarista, por “mania suntuária”! ... Ao fim e ao cabo, toda a população de Itaguaí estava encerrada na “Casa Verde”, e fora dos seus muros restava apenas o alienista, o ilustre Dr. Simão Bacamarte, “médico diplomado em Coimbra e Pádua, e o maior dos médicos, de Portugal, do Brasil e das Espanhas”, no pitoresco linguajar machadiano. Cientista sério, o Dr. Simão Bacamarte chegou à seguinte conclusão: A maioria tem que ser constituída por pessoas mentalmente hígidas, e a minoria, pelos alienados mentais. E isto o levou à decisão de libertar todos os internos da “Casa Verde”, internando-se ele próprio, e passando a estudar a própria moléstia... a figura trágica --- e ao mesmo tempo, cômica --- do alienista de Machado de Assis, me traz ao espírito o Dr. Rodrigo Janot, que, “tomado” (no sentido kardecista do termo) por uma “fúria denunciatória”, e mandando às urtigas os mais comenzinhos princípios regedores do Direito Penal e do Processo Penal, com bambus, flechas, e muita truculência, identificou todos os políticos (não petistas, é claro...) como “corruptos”, criando no Brasil um clima --- insustentável --- de instabilidade institucional e política.

Maniqueísta, partidário da divisão dos homens em “nós, os bons” e “eles, os corruptos”, o Dr. Rodrigo Janot procedeu, à testa da Procuradoria Geral da República, como um crente da “Religião Marxista”, primorosamente estudada pelo saudoso Heraldo Barbuy. Se “a fé move montanhas”, como se tornou clássico afirmar, a “fé marxista” pode levar o fiel a, com base nas palavras de dois magarefes desqualificados --- Wesley e Joesley Batista --- apontar como um delinquente um homem como Michel Temer, um respeitado constitucionalista e estudioso do Direito Público, com uma sólida folha de serviços prestados ao país.

O “agire” do Dr. Janot não pode ser desvinculado do péssimo nível ostentado hoje, no Brasil, pelos cursos de Direito. O “concursismo” substituiu Nelson Hungria, Basileu Garcia, Magalhães Noronha e Roberto Lyra. As apostilas e “Resumões”, elaborados por apedeutas, tomaram o lugar dos tratados. Os moços são adestrados para passar em concursos públicos, e nada mais...

Delações não são provas. Podem servir de base a inquéritos, que antecedem as denúncias. E “inquérito” --- se o ignora o Dr. Janot nestes tempos de indigência intelectual --- se relaciona com o verbo latino “Quaerito, as, avi, atum, are”, que significa “perguntar, interrogar acerca de”, “investigar”. No entanto, de posse de um amontoado de assertivas levianas, o Dr. Rodrigo Janot passou atrabiliariamente para o ataque contra o Presidente da República, concedendo uma “indulgência plenária” a dois tratantes. Ora, o Ministério Público é uma instituição nobre, que se não confunde com um hipotético “Mídia-Estéreo-Público. ” Que a sucessora do “homem do bambu” seja mais cautelosa no exercício do seu elevado mister. É o que todos os brasileiros equilibrados e não-machadianos esperamos...