É correntia a noção de que a Jurisdição é a função de sanar os conflitos de interesses que ocorrem na Sociedade, mediante a aplicação da lei aos casos concretos. Aduzo que hodiernamente a função jurisdicional é um monopólio do Estado, que a exercita por meio dos seus órgãos especializados, os Juízes e os Tribunais. Rememoro estas noções elementares, para com mais segurança e clareza abordar o assunto central destes comentários.

acacio 3 99597Faço agora, também com um intuito propedêutico, a paráfrase do que Liebman escreveu sobre o Juiz de Direito. Ensinou o corifeu da “Escola de Processo de São Paulo” que livre de vínculos no exercício da sua função, o Juiz está no entanto obrigado a observar a lei, da qual ele é “o intérprete qualificado.” Aqui planteia-se uma indagação crucial. Ao afirmar que o Juiz de Direito é o “intérprete qualificado da lei”, o que desejou dizer o discípulo de Chiovenda?

Seria cômodo --- e simplista --- entender que Liebman se referiu, apenas, à capacitação técnica do Juiz de Direito. Conhecendo a Dogmática Jurídica, e podendo se dar ao luxo de ignorar a Zetética, um indivíduo já estaria qualificado para a função de julgador. Parece-me entanto que o processualista italiano quis dizer muito mais do que isto... ele era um herdeiro da Cultura do Ocidente, e portanto um conhecedor deste dado lapidar: o de que os gregos, com o vocábulo “Paidéia” abrangiam duas realidades, distintas mas que devem ser convergentes: A Instrução, entendida como a assimilação de conhecimentos, e a Formação, concebida como aprimoramento do caráter. A “Educação” compreende ambas as coisas, e é inseparável, portanto, dos valores que devem nortear os seres humanos.

Penso pois que Liebman quis dizer que o Juiz, o “intérprete qualificado da lei”, carece de qualificação técnica e de qualificação ética para o exercício do seu elevado “munus”, consistente em fazer prevalecer o valor Justiça. Mas eu ouso ir um pouco além de Enrico Tullio Liebman: O Juiz deve ser possuidor daquela “Preparação superior para o Poder” a que se referia Lord Salisbury, Primeiro-Ministro da Rainha Vitória no início do século passado.

Do exposto exsurge como conclusão básica que o Juiz, sendo por definição um homem visceralmente honesto, não pode permitir que as suas inclinações políticas e ideológicas interfiram na função judicante. Esta interferência, onde e quando existir, conspurca a dignidade intrínseca da função jurisdicional...

É lamentável dizê-lo, mas foi isto o que ocorreu com a decisão de S. Excia. o Ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, que, em sede de um “Habeas Corpus” “descobriu” uma incompetência “ratione loci” da Justiça Federal de Curitiba, no processo em que fora condenado o Sr. Luiz Inácio da Silva. Como bem ponderou o ilustre Professor Ives Gandra, a aferição da sua própria competência é a primeira preocupação de qualquer juiz, ao receber e despachar uma inicial!... no caso do processo envolvendo o Sr. Luiz Inácio da Silva, a competência “ratione loci” de Curitiba, verificada há anos, tinha sido firmada, e era um ponto pacífico.
Ao “descobrir” que o Juízo de Curitiba era incompetente, o Ministro Edson Fachin, guiado por sua orientação marxista, na prática permitiu que o Sr. da Silva, condenado criminalmente, e com uma condenação confirmada em segundo grau, ficasse habilitado a disputar a Presidência da República... S. Excia., com esta atitude, conspurcou a função jurisdicional.

*Acacio Vaz de Lima Filho, Livre-Docente em Direito Civil, área de História do Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco, é acadêmico perpétuo da Academia Paulista de Letras Jurídicas, titular da cadeira número 60 – Patrono: Luiz Antonio da Gama e Silva