Foi no correr de maio de 32 que o movimento constitucionalista de São Paulo começou a ganhar corpo por meio de efetivas manifestações de diversos setores da sociedade paulista.
Com a vitória getuliana, a nossa terra de Anchieta tinha sido invadida por mercenários, os lenços vermelhos que, com arrogância e violência, visitavam as lojas, ocupavam restaurantes sem o pagamento das refeições e requisitavam as mercadorias expostas nas vitrines.
A soldadesca passeava pelas ruas alarmando a população com tiros para o ar como sinal de alegria e heroísmo. O povo paulista humilhado, nada podia fazer.
O Instituto dos Advogados de São Paulo, a Sociedade de Medicina e Cirurgia e o Instituto de Engenharia elaboraram uma proclamação, visando restaurar o regime constitucionalista em nossa província, solicitando que se fizesse a divulgação e propaganda daquela proclamação.
Viria o jornal O Estado de São Paulo, na manhã do dia 19 do mencionado mês, a publicar na sua capa o manifesto da Liga de Defesa Paulista. A declaração evocava o ideário, a tradição heroica dos bandeirantes e a necessidade de preservação do seu patrimônio histórico. Solidárias com tais sentimentos, as mulheres paulistas manifestavam sua participação nas ideias sustentadas pela Liga de Defesa Paulista.
Enquanto isso, vicejavam na clandestinidade diversos grupos que postulavam o intuito de transformar-se em núcleos armados. O quartel-general estava localizado no Largo São Bento, no antigo Hotel Oeste. A ação viria a se estender rapidamente pelo interior do Estado.
Na data comemorativa do aniversário de São Paulo, em 25 de janeiro de 1932, a multidão na praça, dando as costas à censura pública, parava para ouvir emocionada o candente verbo do promotor de justiça Ibrahim Nobre e o seu grito de guerra:
“Minha terra! Minha pobre terra!
São Paulo, lume da minha terra,
Em tua vigília cresce o calor,
A célula e o altar.
Presidiste os destinos da família.
Marcaste o nome.
O inimigo, fingindo-se de irmão;
Invadiu-a, desfê-la, lesou-a.”
Indiferente às reivindicações dos grupos paulistas, Getúlio Vargas intitulava-os “carpideiras saudosistas”, incorrigíveis doutrinários, alheios às novas realidades nacionais. O general Isidoro Dias Lopes, comandante da 2ª Região Militar de São Paulo, foi afastado. Tratava-se do líder de oposição mais prestigiado pelos articuladores constitucionalistas.
Em 23 de maio, continuaram as memoráveis manifestações contra a ditadura. À tarde, grande multidão do Pátio do Colégio aclamava Pedro de Toledo, diplomata e ex-embaixador na Argentina. Não obstante, nessa mesma noite, um trágico acontecimento enluta São Paulo: tombam na Praça da República quatro jovens – Miragaia, Martins, Dráusio e Camargo - , que legam à sua terra a sigla heroica, MMDC. O quinto estudante iria falecer depois, no hospital, enquanto outros dois morreram dias mais tarde.
Sem conhecer o estágio de preparação da luta armada, a veneranda figura de Pedro de Toledo, que procurava a fórmula conciliatória diante da gravidade da situação reinante, enviou à antiga capital federal, Rio de Janeiro, o seu genro e secretário, Lino Moreira, a fim de confabular com o presidente Getúlio Vargas.
Na mesma data em que o emissário do governo do Estado de São Paulo iria ao Palácio do Catete para estabelecer negociações, o comitê revolucionário e constitucionalista, na residência de Cesário Coimbra, convencionava a data de 20 de julho para a eclosão revolucionária. O generalíssimo Isidoro Dias Lopes foi então aclamado no comando-geral da revolução. Na Força Pública, confirmava-se a liderança de Júlio Marcondes Salgado.
Ficou decidida a antecipação do levante para as 23h 30 do dia 9 de julho, sábado, na Chácara do Carvalho, antiga sede da 2ª Região Militar, onde se encontra hoje o Colégio Madre Cabini.
A ideia prevalecente no alto-comando era de que o movimento revolucionário reduzir-se-ia a uma revolução branca, a um assalto ao governo central, e não demoraria mais do que dez dias. Havia, inclusive, a presunção dos chefes militares de que haveria irrestrito apoio dos Estados e dos governos provinciais à causa constitucionalista. Contudo, desde os primeiros embates, aviões do Exército e da Marinha, fiéis ao governo central, conseguiam a supremacia aérea.
As rádios transmitiam os boletins de César Ladeira, nascido em Jaú, e a marcha francesa Paris Belford, que é hoje o prefixo da atual Rádio Eldorado, que se transformara em espécie de hino do movimento constitucionalista.
Monteiro Lobato, Guilherme de Almeida, Menotti del Picchia, Paulo Duarte, Paulo Setúbal, Mário de Andrade, Júlio de Mesquita, intelectuais da época, juntaram-se, à disposição do movimento.
Os paulistas assinalavam, nos editoriais do Estadão, que a Revolução Constitucionalista de 32 fora deflagrada quando o Estado paulista perdera a sua autonomia. E, porque visava, enfim, a integridade da forma federativa do governo republicano, que se encontrava seriamente comprometida.
Deflagrado antes do previsto, o movimento militar de 32 viria a fracassar. Poucas armas, fuzis e metralhadoras leves encontravam-se em arsenais insuficientes para municiar os combatentes. As encomendas de armamentos efetuadas nos EUA não seriam atendidas na sua totalidade, já que Washington não reconhecera o estado de beligerância reivindicado por São Paulo.
Juscelino Kubitscheck de Oliveira, oficial médico da Força Pública mineira, atuante contra a revolução paulista, viu-a mais tarde por ótica especial, ao afirmar: “Foi uma daquelas causas pelas quais os homens podem viver com dignidade e morrer com grandeza”. Posteriormente, Juscelino confessaria: “Custou-me voltar atrás, mas não tenho compromisso com o erro”.
Desde a primeira semana, o movimento constitucionalista era condenado à desilusão pela carência de soldados treinados, armas e munições. As unidades do MMDC eram tão inexperientes, que muitos de seus rapazes sequer sabiam manejar um fuzil.
São Paulo não se julgou forte o suficiente para a aventura de ir até a Cidade Maravilhosa. O governo federal deslocou, então, forças poderosíssimas para o Vale do Paraíba. De todos os pontos do país eram mandadas tropas contra São Paulo. A propaganda governamental divulgou com intensidade que os brasileiros de outros Estados deveriam lutar contra os italianos da terra bandeirante, que eles pretendiam fundar ali, na terra de Piratininga, uma colônia fascista às ordens de Mussolini.
Todas as vozes discordantes de Vargas eram contidas. Foram realizados prodígios em São Paulo para a manutenção da luta durante três meses, numa luta desigual contra o resto do Brasil e cerca de 100 mil combatentes do exército federal. O governo federal, com 250 canhões, mais a totalidade da Marina e 24 aeronaves, enfrentava 44 canhões e apenas seis aviões paulistas.
As indústrias paulistas, sob a liderança de Roberto Simonsen, presidente da FIESP, adaptaram as máquinas para sua rápida transformação em empresas produtoras de equipamentos bélicos. Passaram a fabricar munição de infantaria: morteiros, granadas de mão e lança-chamas. Os comerciantes paulistas, por meio da Associação Comercial, como articuladores do movimento, sugeriam inclusive que se organizasse uma busca sistemática dos produtos paulistas, com o intuito de boicotar o inimigo.
Cansados de lutar sem esperanças contra o país inteiro, as armas dos bandeirantes foram depostas, ocorrendo a capitulação e o armistício no dia 1º de outubro de 1932. O movimento durara apenas 90 dias, portanto, com cidades bombardeadas, episódios trágicos e comoventes, portos minados e 1.037 feridos. Cerca de 830 combatentes paulistas foram mortos, quase o dobro dos pracinhas que perderam a vida nos campos da batalha contra o nazifascismo durante a II Guerra Mundial.
Encarregado pelo governo Pedro de Toledo, o professor Valdemar Ferreira, da tradicional Faculdade de Direito do Largo São Francisco, preparou o último manifesto: “Cessa, destarte, a vida do governo constitucionalista, aclamado pelos paulistas, pelo Exército nacional e Força Pública. Fica encerrada a campanha pela instauração do regime. Mas o anseio não se sopitará. Deu São Paulo tudo quanto podia ao Brasil. Tudo por São Paulo, tudo pelo Brasil”.
O sangue derramado não foi em vão. A promulgação da Lei Maior, de 34, iria enfatizar a vitória moral dos paulistas. Ficaria demonstrado que a sedição paulista não era separatista quando pedia o Estado de Direito e nova constituição para o Brasil.
Inquestionavelmente, 32 foi o nosso maior movimento armado. O valor e a capacidade do homem e da mulher paulista, em face da adversidade, superaram todas as expectativas, diante da causa e motivação para a intransigente defesa dos seus nobres ideais.
Ao comemorarmos, portanto, a Revolução Constitucionalista de 32, continuamos acreditando, em consonância com o poeta Paulo Bomfim, que “o idealismo paulista não cansa, não prescreve, não envelhece e jamais caducará. O sangue derramado dos paulistas não foi em vão”.