fonte: Jornal SP Norte
Dando continuidade ao tema da semana passada, o artigo 86, § 4o, da Lei Maior, manda: “O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. Apesar da clareza, do texto, o seu sigilo bancário foi quebrado desde 2013 até 2017, ou seja, três anos antes de assumir o mandato presidencial, em 2016, contrapondo o brocardo milenar “in claris cessat interpretatio”, em relação à Lei Magna. Ainda mais, com o argumento de que ao vedar a responsabilização não proíbe a investigação. Nesta afirmação, olvida-se o sentido e o alcance da norma: “investigar para responsabilizar”, sepultando mais um ensinamento clássico: “prefira-se o que torne viável o objetivo ao que leve à inutilidade”, ainda que esta seja momentânea, durante o mandato. Visa, o preceito, dar maior tranquilidade para o exercício do Poder Executivo, reforçado pela boa-fé, até prova em contrário, no momento oportuno, após o mandato, se ocorrer e for provada a corrupção, ainda que legalizada.
Com referência ao indulto, mais uma vez verificamos a competência privativa do Chefe do Executivo. Este, em seu Decreto, concedeu o benefício àqueles que tinham cumprido um quinto da pena, independentemente do(s) crime(s) cometidos e da duração da pena. O Ministro Barroso alterou o texto de dezembro, editado pelo Presidente Temer. Aumentou o período mínimo de cumprimento para um terço; limitou a condenação até oito anos para concessão do indulto; excluiu do benefício os crimes de colarinho-branco, tais como peculato, corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de influência que poderiam alcançar condenados da “lava-jato” para o perdão; incluiu a necessidade do pagamento de multas para obtenção do favor; afastou aqueles com recursos da acusação, os que obtiveram suspensão condicional do processo e aqueles que conseguiram a substituição da pena privativa da liberdade por outra medida restritiva de direitos. Extrapolou os crimes excluídos pelo artigo 5o, inciso XLIII, da Lei Máxima, agravou punições, como uma reformatio in pejus, e acrescentou novas, contra os princípios do direito penal, invadiu competências e legislou. Acrescenta-se que comutar, substituir pena por medida restritiva de direitos, nem sempre equivale ao perdão. Embora haja exagero por parte do Poder Executivo, não compete ao Poder Judiciário, tomar medidas do governo ou legislar. Questão política ou político-administrativa é de competência legislativa ou executiva.
Verifica-se, pelo exposto, apesar da boa intenção e prevenção, do Ministro Barroso, nas circunstâncias que vivemos, a invasão pelo Judiciário em competências privativas do Executivo, até mesmo em questões políticas afastadas dos magistrados. Estes, também, poderão ter contra si presunções e crimes de responsabilidade ou comuns. Devem respeitar a divisão das funções do Poder; a vontade do legislador no tempo e no espaço; são 594, 513 deputados e 81 senadores, eleitos e legitimados pelo povo ou suas maiorias, qualificadas, diante de 11 e às vezes de um ministro, indicado por uma pessoa. Ainda que haja lacuna ou omissão legal, devem saber como colmatar, legislando até que o poder competente, o legislativo, o faça, aplicando a integração do direito por equidade, analogia, princípios gerais em matéria penal que exige o princípio da legalidade – nullum crimen, nulla poena sine lege – não poderá haver crime sem lei anterior, que o defina e nem pena sem lei. A subjetividade não poderá espancar a intersubjetividade da “communis opinio” e do direito como experiência.
Os demais poderes podem e devem preservar suas competências (art. 49, V e XI da CF) e suas garantias constitucionais (art. 142 CF), como manda a repartição de funções, estabelecendo direitos, deveres, limites e respeito a todos, de acordo com o Estado de Direito.