(Correio Braziliense)
Promessa recorrente nas eleições das últimas duas décadas, a reforma política ganha um patrocinador de peso. Com seis mandatos de deputado federal, 10 anos à frente do PMDB e três vezes no comando da Câmara Federal, o então vice-presidente e agora presidente da República, Michel Temer, conhece como poucos os meandros do Congresso Nacional, onde tantos e bons projetos de lei acabaram engavetados. Ainda como vicepresidente, Temer se lançou a uma rodada de encontros com lideranças políticas, empresariais e acadêmicas, centrados na exposição e debate de uma proposta prudentemente batizada de “reforma política possível”.
Recentemente, ela foi objeto da reunião do Conselho Superior de Estudos Avançados da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), fórum no qual a reforma política é tema recorrente. Nessa questão, a ponta do iceberg talvez seja o imenso desgaste da imagem dos políticos – e, por extensão, da política – perante a sociedade, com consequências danosas. Entre elas, uma das mais graves certamente é o desencanto e o distanciamento dos jovens da política.
Na raiz dessa situação, aparecem a sucessão de escândalos, o festival de denúncias de corrupção, a impunidade até para crimes comuns numa distorção do conceito de imunidade parlamentar, a submissão ao Executivo, a falta de decoro de alguns e o despreparo de outros, e por aí vai. A bem da verdade, ressalve-se que há um grupo de legisladores que têm atuação elogiável e prestam contribuição de qualidade à vida nacional.
Especialista em direito constitucional, Temer defende uma reforma política ancorada na Constituição Federal. Com boa dose de pragmatismo político e com cuidado para não queimar pontes antes de cruzar o rio, ele acredita que só prosperará uma reforma politicamente possível. Assim, sua proposta abrange apenas os pontos que considera transitáveis – afinal, é preciso concordar que os deputados e senadores, que hoje se beneficiam do status quo, dificilmente aprovarão mudanças que irão prejudicá-los. Mas, talvez fosse prudente imaginar que o desgaste está chegando a tal ponto que muitos poderão ter de escolher entre perder os anéis ou os dedos, como diz a sabedoria popular para descrever situações-limite. Ou seja, optar entre eliminar as distorções que hoje denigrem o mandato popular ou perder o que resta de credibilidade, respeito e confiança do cidadão.
O caminho recomendado para depurar a lista de candidatos é a adoção do voto majoritário, que consagraria a vontade do povo. Isso significa que iriam para a Câmara Federal os deputados mais votados e seria descartada a figura do suplente de senador, visto que não são eleitos e, não há como negar, constitui uma excrescência na prática da democracia. Embora não corrija a disparidade entre o peso do voto, por exemplo, de um eleitor paulista e de um eleitor de Estado menos populoso, a proposta visa eliminar o malfadado quociente eleitoral, talvez o grande fator de enfraquecimento da representatividade parlamentar. Por esse complicado sistema de cálculo, um puxador de votos (caso das ditas celebridades), escolhido por mais de 1 milhão de eleitores, acaba levando à Câmara mais dois ou três colegas de partido/coligação que receberam menos de mil votos, enquanto fica fora o candidato de outro partido, consagrado por mais de 100 mil votos, mas sem a tal vantagem do tal quociente.
Outro ponto basilar da proposta é consagrar o princípio de que o mandato é do partido, deixando ao fim dele uma porta para que o congressista possa trocar de agremiação, se assim o desejar, mas sempre com perda do mandato. A proposta aborda, ainda, mais alguns aspectos, como a coincidência das eleições municipais, estaduais e federais; a divisão mais democrática do horário eleitoral, hoje praticamente dominado pelos “caciques” e “coronéis”.
A boa aceitação das teses do constitucionalista Michel Temer mostra que a questão da reforma política está amadurecendo na sociedade e, se aprovadas, serão muito bem vindas. Mas os debates também deixam claro que será apenas o primeiro passo, pois restará resolver uma série de outros problemas que hoje preocupam os cidadãos responsáveis, como o abandono do mandato legislativo para ocupar cargos no Executivo, o financiamento das campanhas que precisa ser revisado e aprofundado, a participação dos partidos nanicos nas eleições, entre vários outros. A discussão está apenas começando. É preciso avaliar e separar o possível do desejável.