(Site Jota)
A Câmara dos Deputados federais enfrentará essa questão polêmica. Alguns defendem a possibilidade, apresentam pareceres jurídicos e a jurisprudência, enquanto outros negam com base na letra da Constituição. O Supremo Tribunal Federal manifestou-se, através de alguns Ministros, no sentido de tratar-se de caso “interna corporis” a ser resolvido pelos próprios deputados, representantes do povo. Entretanto, ao cuidar de matéria constitucional, de adequação de ato, lei ou regimento ao Texto Maior, em seu sentido jurídico, formal, deverá manifestar-se ressalvando-se questões políticas.
O artigo 57, § 4º, da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, assim comanda: “Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente”.
O deputado Rodrigo Maia foi eleito presidente da Câmara dos deputados federais em 14 de julho de 2016, em decorrência da renúncia do então titular, Eduardo Cunha, para completar o primeiro mandato da atual legislatura de quatro anos. A Constituição veda a recondução de quem inicia e termina a direção da Casa legislativa; silencia quanto a eleição para o mandato chamado mandato-tampão, parcial, para findar o período.
Os defensores de uma interpretação gramatical do Texto Magno entendem que houve uma eleição do atual presidente e ocorreria, com a sua nova eleição, na verdade uma recondução, inadequada à Constituição por ser para o mesmo cargo e imediatamente subseqüente. Os contrários afirmam conter o texto a vedação destinada a mandatos completos, o que não ocorreu, favorecendo as pretensões de Rodrigo Maia, reforçadas pela tese de solução “interna corporis”, ainda que houvesse omissão parcial na Lei Maior.
Com efeito, a proibição, neste caso, leva à injustiça e à desigualdade. Tendo assumido por sete meses à presidência da Câmara dos Deputados, sofrendo restrição com o impedimento à nova candidatura, enquanto outros poderão exercer o poder por dois anos (vinte e quatro meses) estar-se-á ferindo os princípios da isonomia, e da justiça inscritos no preâmbulo da Constituição entre os valores supremos: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos sob a proteção de Deus, a seguinte Constituição da República Federativa do Brasil”. Repete o artigo 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” sendo “inviolável o direito à igualdade”. Ou será que alguns são mais iguais e outros não? O princípio é cláusula pétrea, direito individual, não poderá ser abolido sequer por emenda à Constituição, conforme artigo 60, § 4º, inciso IV, do citado diploma e ao lado dos demais mandamentos deverá merecer exegese lógico-sistemática, preenchendo possíveis lacunas.
Poderemos procurar socorro no direito comparado, pátrio e estrangeiro. Entre nós, tivemos a questão da substituição ou sucessão do Governador pelo Vice-Governador e a possibilidade de eleição e reeleição para o mesmo cargo ou distinto, após substituição ou sucessão conforme art. 14, § 5º. Uma interpretação poderia levar ao exercício do poder por aproximadamente (16) dezesseis anos estabelecendo um continuísmo pernicioso no lugar de uma continuidade benéfica, pelo mérito. Outra leitura restringiria os direitos a (4) quatro anos e (20) vinte dias ofendendo os princípios da igualdade e da justiça permissivos a todos (8) oito anos de gestão, devido a uma reeleição, em condições de normalidade. Os exageros, para mais ou para menos, são corolários da cópia mal feita da Constituição dos Estados Unidos. Esta não deixa dúvidas, as diferenças são razoáveis, dentro da reserva do possível. Diz em seu texto de 1787, com a Emenda número 22, de 1951: “Nenhuma pessoa pode ser eleita para Presidente mais de duas vezes. Qualquer pessoa que exerceu a Presidência, ou atuou como Presidente por mais de dois anos de uma gestão para a qual alguma outra pessoa foi eleita, pode ser eleita somente uma vez. Qualquer pessoa que exerceu a Presidência ou atuou como Presidente por menos de dois anos de uma gestão para a qual outra pessoa foi eleita, pode ser eleita Presidente duas vezes” (Const. artigo II, 1 e Emenda nº XXII, sec. 1 – USA). Tanto no Brasil como nos Estados Unidos são reflexos de “mandato-tampão”, para completar o período.
Estas mesmas idéias são válidas para o caso presente, aplicando-se as técnicas de interpretação do direito, com destaque à sistemática ao lado da integração do direito com a analogia, a equidade e os princípios gerais do direito ao preencher lacunas e a experiência nacional e internacional. Esperamos que ocorra “interna-corporis”, com a vontade política, temperança, equilíbrio dos parlamentares, caso contrário o Supremo Tribunal Federal, como comanda o artigo 102 da Lei Maior, será provocado para a sua missão jurisdicional precípua de guardião da Constituição após a exegese sistemática, no sentido axiológico, dos valores encerrados nas normas princípios e nas normas regras, opostas, quais devam prevalecer, dar a última palavra, preservando o texto, o sentido, garantindo a isonomia enfim fazer justiça, agora sob a vigia do patrão de todos, o povo soberano.