Escrevo aos XI de Agosto de 2020. Há exatos 193 anos o Decreto Imperial de D. Pedro I, assinado pelo Visconde de São Leopoldo, fundava os cursos jurídicos no Brasil, com a implantação da Faculdade de Direito de São Paulo e com a de Olinda, na Província de Pernambuco. A Faculdade de Direito de São Paulo, que passou a funcionar no velho convento franciscano do Largo de São Francisco, continua no mesmo lugar até hoje; quanto à sua irmã gêmea pernambucana, funcionou de início em Olinda, sendo “a posteriori” transferida para o Recife.
O Imperador D. Pedro I, um homem a quem a futura historiografia deverá fazer a devida justiça, tinha em mente, com a instalação dos cursos jurídicos, de maneira nítida, a criação de quadros humanos para a administração do novel Estado, que surgira aos 7 de Setembro de 1822, com a secessão (e não a “Independência”...) de Portugal.
É possível dizer que este objetivo fundamental foi amplamente atingido, uma vez que todo o pessoal da Administração Pública (lato sensu) do Império do Brasil, teve a sua formação intelectual feita nas duas Faculdades de Direito. Isto continuou durante a “República Velha”, de 1889 a 1930.
Sucede que ambas as Academias não se limitaram a formar pessoal qualificado para o serviço público e para o exercício da arte liberal da Advocacia: --- As duas foram, desde que fundadas, o centro por excelência do pensamento brasileiro, e também o núcleo em que fermentaram todas as ideias políticas, no período imperial e também no republicano. E não é ocioso lembrar que foi no chão das Faculdades de Direito de São Paulo e de Recife, que a Literatura Brasileira medrou com pujança... com efeito, não é possível ignorar a primeira fase, vale dizer, a poético-literária da famosa “Escola do Recife”, com os nomes --- entre outros --- de Tobias Barreto, Castro Alves e Franklin Távora. E não é possível colocar de banda o dado --- judiciosamente observado pelo Professor Miguel Reale em suas “Memórias” --- de que, no pórtico da Faculdade de Direito de São Paulo, estejam insculpidos os nomes, não de três juristas, mas de três poetas: --- Castro Alves, Fagundes Varella e Álvares de Azevedo... e a vocação para a poesia, permanentemente revelada pela gloriosa Academia de São Paulo, jamais elidiu a sua vocação para a Ciência do Direito, ou “Jurisprudência”, como a prefere chamar Miguel Reale, com estrita fidelidade à tradição do Direito Romano.
O surgimento sob as Arcadas da mundialmente respeitada “Escola de Processo de São Paulo” é uma prova irrefutável da grandeza científica da Academia: --- Enrico Tullio Liebman, estando entre nós, teve nos seus discípulos Alfredo Buzaid, José Frederico Marques, Luiz Eulálio de Bueno Vidigal e Benvindo Aires, o núcleo inicial da famosa “Escola”, cujo resultado legislativo veio à luz com o Código de Processo Civil de 1973, o qual pode, com toda a justiça, ser chamado de “Código Buzaid.” E, na esfera do Direito Privado, o vigente Código Civil é o resultado do trabalho de um outro “franciscano”, o Professor Miguel Reale, que presidiu a Comissão encarregada de redigir o Anteprojeto.
Bem sopesadas as cousas, a Faculdade de Direito de São Paulo, que hoje comemora mais um aniversário, foi, é e será um núcleo de Humanismo e de Humanidades, no mais preciso sentido destes étimos. E creio que uma síntese da alma do Largo de São Francisco está em uma placa, oferecida por um instituto cultural luso-argentino de Santa Fé, e encontradiça no Páteo das Arcadas, em que a “Facultad de Derecho de San Pablo” é chamada de “alma mater de la cultura jurídica y de la educación cívica brasileñas”...
A camaradagem acadêmica e a poesia são inseparáveis da minha Casa. E bem por isto evoco a seguinte trova acadêmica, da lavra do Professor Luiz Antonio da Gama e Silva:
“Onde é que mora a amizade?
Onde é que mora a alegria?
No Largo de São Francisco,
Na velha Academia!...”
E Pedro de Oliveira Ribeiro Neto assim encerra o seu “Canto de Glória da Faculdade de Direito de São Paulo”:
“Eu confio e espero em tua mocidade
que é a mesma sempre,
velha Faculdade!...
pois Rui, e Rio Branco e Nabuco,
e mil outros que que deram à Pátria
o seu nome glorioso,
enchendo de luzes páginas da História,
vão mostrando aos moços, por felicidade,
que o teu nome sempre, minha Faculdade,
é a melhor das rimas para liberdade,
é a melhor das chamas para o Altar da Glória!”
*Acacio Vaz de Lima Filho é Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, Turma de 1973