Recente decisão do TRF3 isentou a Caixa Econômica Federal da responsabilidade de ressarcir o arrematante de imóvel com pendência de IPTU.
Historiemos os fatos para melhor exame da questão.
A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) confirmou decisão que negou pedido de indenização contra a Caixa Econômica Federal (Caixa) realizado por uma arrematante de apartamento em leilão promovido pelo banco. A autora da ação alegou que não havia sido informada pela instituição financeira de que o imóvel possuía débitos do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU).
Após a 2ª Vara Federal de Jundiaí considerar a ação improcedente, a empresa que adquiriu o imóvel ingressou com recurso no TRF3 reafirmando que não foi notificada pela Caixa dos débitos de IPTU e condomínio.
Ao analisar a questão, o relator do processo, desembargador federal Valdeci dos Santos, apontou que houve publicidade das regras, pois constou do edital do leilão que a pessoa que arrematasse o imóvel se declarava ciente e informada da possibilidade de penderem débitos de natureza fiscal e condominial, bem como da obrigação de quitá-los em caso de aquisição do bem.
“É importante destacar que a aquisição de bem imóvel, por qualquer modalidade, é negócio jurídico formal que pressupõe a tomada de diversas cautelas a fim de garantir o sucesso do negócio realizado. Dentre estas cautelas, está aquela que faz parte da praxe imobiliária, exigível do homem médio: a de diligenciar junto a cartórios judiciais, extrajudiciais, e demais repartições públicas, a fim de averiguar se há embaraços atrelados à coisa ou ao proprietário da coisa”, pontuou.
O relator acrescentou que, em se tratando de arrematação de bem imóvel levado a leilão, é de se esperar mais cuidado do interessado sobre a possibilidade de existirem outras dívidas como IPTU ou condomínio.
“A arrematação do bem nestes autos, ignorando as advertências constantes do edital, bem como sem a tomada dos cuidados esperados por quem pretende adquirir imóvel, é ato praticado exclusivamente pela parte autora, corresponde a erro grosseiro, não havendo nem ao menos participação da Caixa para os resultados experimentados”, concluiu.
Com esse entendimento, a Primeira Turma negou o pedido e manteve a sentença. (Apelação Cível 5002795-17.2020.4.03.6128).
Parece-me, data máxima vênia, haver uma sucessão de equívocos tanto por parte do autor que postulou a ação contra a Caixa Econômica Federal para se ressarcir do encargo tributário do IPTU, como das decisões judiciais de primeira e de segunda instâncias, segundo as quais o autor deveria ter prestado atenção nas advertências constante do edital quanto à existência de eventuais débitos de natureza fiscal e condominial relativamente ao imóvel objeto de leilão.
Essas argumentações das instâncias judiciais teriam plena procedência em uma operação de compra e venda do imóvel, quando seria aplicável o disposto no art. 130 do CTN que versa sobre obrigação propter rem ou ob rem:
Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, sub-rogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.
Parágrafo único. No caso de arrematação em hasta pública, a sub-rogação ocorre sobre o respectivo preço.
Na hipótese do art. 130 do CTN o sucessor assume automaticamente as dívidas do sucedido, independentemente, do conhecimento prévio acerca delas. Equivale à figura do ônus real sobre imóveis, como acontece no caso de hipoteca, por exemplo.
Contudo, diferente a hipótese de arrematação em leilão, quando se aplica a regra do parágrafo único, do art. 130.
O parágrafo único, no caso de arrematação em hasta pública, elege a regra da sub‑rogação do encargo tributário no respectivo preço, isto é o arrematante recebe o bem expurgado de encargos tributários. Pode‑se dizer que o arrematante adquire o bem de forma originária, isto é, sem vínculo jurídico com o anterior proprietário. Não há, na realidade, um ato de transmissão de propriedade imobiliária exatamente por ausência da figura do transmitente. A aquisição decorre de ato judicial e não de negócio jurídico. De fato, hasta pública significa “venda pública de bens penhorados ou depositados, que se faz no átrio do fórum, mediante pregão do porteiro dos auditórios ou do leiloeiro autorizado pelo juiz competente. Comporta modalidade de praça e de leilão. Na praça o lanço não poderá ser inferior ao preço da avaliação, ao passo que no leilão o lanço poderá desprezar o valor da avaliação, não sendo, admitido, contudo, oferta de preço vil”.1
Na arrematação em hasta pública, a exemplo do que ocorre na usucapião, não há transmissão de propriedade.
Em relação ao ITBI inúmeros julgados do STJ reconhecem a inexistência desse imposto por se tratar de caso de aquisição originária (Resp 1059102/RS, Rel. Min. Luiz Fux; AgRg no Ag nº 1225813/SP, Rel. Min. Eliana Calmon).
Uma das consequências da aquisição originária é que o bem adquirido fica livre de quaisquer ônus de natureza tributária ou não que ficam sub-rogados no preço da arrematação. O arrematante recebe o bem livre de tributos ou despesas condominiais relativamente ao imóvel objeto de leilão.
Logo, cabia ao Município titular do crédito tributário representado elo IPTU requer o levantamento da importância correspondente ao valor do imposto por conta do preço depositado pelo arrematante.
O arrematante ao requerer o ressarcimento junto à Caixa Econômica Federal deu ensejo às decisões equivocadas, no nosso modo de entender.
1Cf. nosso Dicionário de direito público. 2. ed. São Paulo: MP Editora, 2005. p. 195.