Fonte: O Estado de S.Paulo - 30 Julho 2018 - 

Ruy Altenfelder 5 81666A constitucionalização do Direito trouxe o desafio inerente de buscar respostas não apenas para a pergunta 'o que é justo', mas para o que seria justo, digno, efetivo

Há 191 anos, em 11 de agosto de 1827, o Brasil instituía os dois primeiros cursos de Ciências Jurídicas e Sociais: a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo (SP), e a Faculdade de Direito de Olinda (PE), posteriormente do Recife. As duas faculdades representam o berço de gerações e mais gerações que ajudaram a definir conceitos e normas fundamentais do Direito brasileiro nos últimos dois séculos.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 representa ponto de inflexão na história do Direito brasileiro, que acarretaria transformações profundas nas décadas seguintes, chegando até os dias de hoje. Ao lado de um aumento de garantias fundamentais por meio de regras e princípios gerais, sob os quais todo o ordenamento jurídico da sociedade deve estar regido, a Carta Magna passou a estar no centro de discussões complexas sobre a margem que deve ser dada à interpretação desses princípios – entre os quais o princípio máximo da dignidade humana, de difícil conceituação. A constitucionalização do Direito trouxe o desafio inerente de buscar respostas não apenas para a pergunta “o que é justo”, mas para o que seria justo, digno, efetivo. E isso tem impactos.

Hoje, os discípulos de Ruy Barbosa, Clóvis Beviláqua, Pontes de Miranda, Waldemar Ferreira, Goffredo da Silva Telles Jr., Haroldo Valadão, Miguel Reale e diversos outros luminares fazem avançar as Ciências Jurídicas nacionais, considerando justamente alguns desses impactos. É o caso do chamado ativismo judicial, reflexo da ampliação do poder de interpretação sobre a letra de lei, que abre espaço para tomadas de posição dos operadores do Direito em nome do bem comum. Num cenário em que juízes tomam decisões que criam jurisprudência, ao mesmo tempo que, por morosidade ou inércia, o Legislativo se vê incapaz de acompanhar a complexidade veloz da sociedade  contemporânea, quem está legislando efetivamente? E o que isso diz do equilíbrio entre os Três Poderes e do conceito mesmo de governo democrático, uma vez que juízes não são eleitos, mas indicados? Quais as consequências do protagonismo crescente que magistrados, membros do Ministério Público e a classe jurídica como um todo têm assumido na condução do País nos últimos anos?

Outro tema relevante que precisa ser aprofundado é o instituto das confissões/delações premiadas, que tem origem no Direito norte-americano e é baseado em outros princípios. É um direito negocial: quem aplica o regime do cumprimento da pena é o juiz. Aqui, precisa ser revisado; vide o caso JBS, em que o Ministério Público fez tudo. A homologação foi meramente formal.

A disciplina da delação ou confissão premiada é imperiosa. As propostas precisam ser elaboradas, discutidas e enviadas aos poderes constituídos.

Em recente artigo, o procurador da República Deltan Dallagnol afirmou que é preciso coragem e perseverança, insistindo em reformas que em meio a indesejáveis dores do parto possam trazer um novo Brasil. E ressaltou o fato de que a corrupção suga, por meio de mais e mais impostos, a energia da produção brasileira e, por meio de mais e mais desvios, a qualidade do serviço público (Folha de S.Paulo, 4/6).

O jornalista Roberto Pompeu de Toledo, em matéria de capa da revista Veja, fez uma radiografia precisa do tribunal que se tornou o epicentro do poder no País. O ministro Celso de Mello, decano no Supremo Tribunal Federal (STF), nomeado pelo presidente José Sarney em 1989, afirmou que em 29 anos nunca viu coisa igual e acrescentou: “Sempre soube da existência de grupos hostis em outros tribunais, maiores, mas não na pequena comunidade que é o Supremo”.

O STF tem a característica de ser composto de 11 ministros, escolhidos pelo presidente da República, sabatinados pelo Senado e com mandato vitalício até os 75 anos de idade. É preciso reformular o sistema de sua composição. As indicações poderiam partir de listas tríplices organizadas pelos tribunais superiores (STJ, TST, TJM), pelas instituições que congregam os operadores de Direito (OAB, Ministério Público e Academias de Letras Jurídicas) e escolhidos e nomeados pelo presidente da República com mandato de no máximo dez anos. 

O STF não é Parlamento nem ministério para ter representação regional balanceada.

Celso de Mello é o único dos cinco ministros nomeados pelo presidente Sarney a permanecer no tribunal. Marco Aurélio Mello é o remanescente dos três ministros nomeados por Fernando Collor e Gilmar Mendes o remanescente dos três nomeados por Fernando Henrique Cardoso. Dos demais, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Dias Toffoli foram nomeados pelo presidente Lula; Luiz Fux, Rosa Weber, Luis Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin, pela presidente Dilma Rousseff; e Alexandre de Moraes, pelo presidente Michel Temer.

As recentes polêmicas no Supremo influenciam o comportamento de juízes. A recente decisão do desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal da 4.a Região (TRF-4), de libertar o ex-presidente Lula foi, como afirmou o ex-ministro do STF Carlos Velloso, teratológica. Quem mandou prender Lula? Foi o TRF-4. O habeas corpus requerido a um juiz de plantão do próprio tribunal contra uma decisão do tribunal foi um pedido e uma decisão incabíveis.

Como se vê, as importantes transformações do Direito sugerem estudos de operadores do Direito, para o bom fortalecimento do novo regime democrático.

Nos tormentosos tempos que vivemos, é imperioso lembrar a sábia mensagem goffrediana: justiça, paz e cumprimento do dever (professor Goffredo da Silva Telles Junior, Disciplina da Convivência Humana).


*Ruy Altenfelder é Advogado. Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas (APLJ) e do Conselho Superior de Estudos Avançados (CONSEA/FIESP).