(Folha de S.Paulo)

Pessoalmente, não tenho dúvidas de que a operação Lava Jato representa um marco na história política brasileira. Alguns aspectos do prolongado processo foram positivos ao estabelecerem um novo padrão moral de comportamento para os futuros políticos.

A Lava Jato permitiu à sociedade tomar conhecimento de que a corrupção tolerada como forma de manutenção do poder é chaga que deve, pelo menos, ser reduzida às suas mínimas proporções.

Como demonstrei no meu livro “Uma breve teoria do poder”, o exercício do poder está sempre infiltrado por corrupção endêmica, em todos os períodos históricos e espaços geográficos, cabendo ao povo, nas verdadeiras democracias, seu combate por meio de agentes não contaminados dos governos, sob pressão da opinião pública.

Neste particular, o juiz Sergio Moro, a Polícia Federal e o Ministério Público, no episódio que desventrou a podridão dos porões de Brasília, estão de parabéns.

Nem por isto, todavia, se deve aplaudir tudo o que propõem. As chamadas dez medidas contra a corrupção - algumas boas e outras nitidamente de perfil autoritário - precisam ser examinadas com cautela pelo Congresso.

Provas ilícitas tornam quem as obteve também um criminoso. Não há boa-fé possível nesse caso, uma vez que, cabendo o ônus da prova ao acusado, este nunca conseguirá provar má-fé.

Li o artigo do bom amigo e brilhante jurista Fábio Medina Osório, nesta Folha, em que se refere a situações em que a prova obtida não é ilícita, como, de resto, ocorreu em gravação, no período em que a jurisdição do caso estava ainda em primeira instância, envolvendo a ex-presidente Dilma Rousseff.

O problema é que, no projeto das dez medidas, não há pormenorização das hipóteses. Criação de “órgãos corruptores” para aferir o nível de moralidade dos funcionários, a fim de condená-los, não passa de expediente próprio das ditaduras, em seus serviços secretos. Pontos como esse deveriam ser rejeitados de imediato.

Espero que o Congresso, consciente da relevância da Polícia Federal e do Ministério Público, entenda que o direito de defesa é o grande diferencial de uma democracia.

Tais instituições não estão acima das demais e, apesar de relevantes, devem atuar nos limites da Constituição e dos demais organismos vinculados à Justiça.

Por essa razão, o exame das propostas necessita ser realizado com cautela e paralelamente ao projeto de lei de 2009, que visa punir abusos de autoridades que, no afã de obter provas, ultrapassam os limites das garantias individuais do cidadão.

É, pois, um bom momento para a sociedade posicionar-se e procurar o justo equilíbrio entre a luta contra corrupção e os direitos da cidadania no regime democrático. Por melhor que seja, nenhuma autoridade pode estar acima da lei. Deve também ser punida, sempre que abusar do “status” privilegiado que possui.

Por esta razão, espero que o Congresso Nacional, que representa 200 milhões de brasileiros, discuta com serenidade todos os pontos das duas propostas, objetivando-se, dentro da lei e, principalmente, da Constituição, buscar instrumentos para punir a corrupção, sem que haja qualquer abuso de autoridade e sem que se outorgue a qualquer instituição o direito de se tornar o Supremo Poder da República.

Uma democracia só se torna forte quando o povo discute amplamente com os Poderes as leis que deseja, quando essas leis são claras e quando o Poder controla o outro, visto que, como dizia Montesquieu, o homem no poder não é “confiável”.