Crédito: Jornal Estado de SP - 28/12/2020

Ruy Altenfelder 6 20b50 24aa4Historicamente, as organizações da sociedade civil surgiram no Brasil por um conjunto de fatores, impulsionadas, sobretudo, por um movimento de democratização do País num cenário de regime autoritário. Com as migrações forçadas do campo para a cidade, a população, principalmente a mais pobre, organizou movimentos de luta por serviços e políticas públicas. Foi nesse período que surgiram diversas instituições filantrópicas, como os institutos e fundações, financiados com investimento privado, que promoviam ações sociais e serviços de interesse público. Isso se deu tanto pela cobrança por empresas mais responsáveis e socialmente engajadas quanto pela necessidade da sociedade civil de se organizar para ter uma participação mais efetiva nos processos democráticos.

Filantropia, do grego, significa amor à humanidade; do Grande Dicionário Houaiss, “generosidade para com outrem” e “caridade”. No entanto, o termo ultrapassa o assistencialismo e faz referência às ações efetivas de investimento social e desenvolvimento das socioeconomias. Olhando para o presente, especialmente em um contexto de pandemia, o mundo fundacional deteve – e ainda detém – um papel imprescindível nas ações de combate ou na mitigação de impactos da covid-19. Em termos de doações, de acordo com a fundação de pesquisas Candid, já são mais de US$ 14 bilhões doados por pouco mais de mil indivíduos e grandes instituições em prol do combate ao vírus.

Inevitavelmente, para o terceiro setor o ano foi ainda mais desafiador. Com a demanda por ajuda num pico sem igual, seu papel social se fez mais presente. Seja no fomento de doações, por meio de recursos próprios e articulando com suas empresas mantenedoras, como na adaptação de suas atividades para atender às causas urgentes decorrentes da pandemia. As entidades que já se destacavam com programas e ações voltadas para a sociedade e comunidades mais vulneráveis foram cruciais, principalmente por seu conhecimento e sua capilaridade nos territórios, que fez o apoio e as doações chegarem à ponta.

Diante de toda a conjuntura, ainda assim 2020 nos mostrou que as mobilizações de solidariedade são cada vez mais necessárias e o senso aguçado de responsabilidade social é vital. E não poderia ser diferente no ambiente corporativo, especialmente por meio de seus programas de voluntariado empresarial e de suas fundações e seus institutos, para contribuir com soluções voltadas para os desafios sociais. Em 2019 o trabalho voluntário foi realizado por 6,9 milhões de pessoas, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua. Desse número, 90,7% exerceram atividade voluntária por meio de empresas, organizações ou instituições, força essencial para mobilizações em situações de emergência. Os dados de 2020 ainda não foram divulgados, mas já podemos imaginar que tenha havido crescimento.

Na Fundação Bunge, entidade social da Bunge, por exemplo, a força dos mais de 700 voluntários corporativos, em 15 localidades brasileiras, tornou possível a realização de mais de 300 ações voltadas para mitigar os impactos causados pelo isolamento social nas comunidades onde já atuavam. Essas ações foram feitas a distância, com a doação de cestas básicas e materiais de higiene e limpeza e também com um toque mais humano e emocional, com a produção de vídeos e cartas com mensagens de otimismo, contação de histórias, lives com músicas e brincadeiras, entre tantas outras ações. A distância também foram as ações de incentivo à leitura, com a realização de lives com contadores de histórias e atividades dos mediadores de leitura do programa com crianças de escolas e instituições.

A frente de atuação voltada para o desenvolvimento das socioeconomias das comunidades também foi remodelada de forma online, com objetivo de identificar os pequenos e microempreendedores locais e compartilhar seus produtos e serviços com a população por meio de aplicativo de mensagens instantâneas e redes sociais. A entidade ainda estimulou a área de suprimentos da empresa a comprar mais de 60 mil máscaras de tecido de fornecedores locais, como cooperativas, pequenas confecções e grupos de mães.

Mas o ano também foi de adiamentos, a exemplo do tradicional Prêmio Fundação Bunge, que há 65 anos homenageia initerruptamente profissionais de diversas áreas do conhecimento e teve de ser postergado para 2021.

Hoje, na luta contra o tempo para cessar a covid-19 no mundo, exemplos como esses nos mostram como as organizações sociais se têm mostrado cada vez mais atentas à realidade da sociedade, buscando adaptar-se a situações adversas. E é nesse contexto, num ano em que o mundo enfrenta uma das maiores ameaças à saúde pública da História moderna, que o senso de urgência tem levado as instituições a fomentar ainda mais suas ações e promover novas iniciativas destinadas aos mais afetados, legitimando o seu papel na sociedade. Já dizia o aclamado filósofo francês Pierre Lecomte du Noüy: “Não existe outra via para a solidariedade humana senão a procura e o respeito da dignidade individual”.

CURADOR DOS PRÊMIOS DA FUNDAÇÃO BUNGE