Kiyoshi Harada

  

Os autores da reforma tributária, que fundiram o IPI, o PIS/COFINS, o ICMS e o ISS no IBS dual e na CBS federal, partiram da premissa de que a fusão de tributos de competências impositivas diferentes se assentava em três pilares: simplicidade tributária; neutralidade fiscal e eficiência tributária.

O primeiro pilar, simplicidade tributária, foi martelada dia e noite na cabeça da população em geral pela grande mídia “estatizada”.

Essa mídia foi decisiva para ganhar a simpatia da sociedade leiga, que ignora o fato de que não se pode unificar tributos de competência diferentes, sem destruir a forma federativa do Estado Brasileiro, que assegura autonomia político-administrativa aos três entes da Federação, por meio de impostos privativos discriminados nos arts. 153 (federal), 155 (estadual) e 156 (municipal) de Constituição Federal de 1988.

Nenhum dos três pilares anunciados foi atingido. Vejamos:

 

Simplicidade

 

Em geral pode-se dizer que simplicidade é a maneira de descomplicar as coisas, expressando o pensamento com clareza e objetividade, eliminado os excessos inúteis e desnecessários. Ela se manifesta na comunicação, na escrita, no estilo de vida do dia a dia e até mesmo na natureza em que a beleza se encontra de forma natural.

Logo, simplicidade tributária a maneira de tornar o sistema tributário mais fácil de entender, administrar e dar é cumprimento. Envolve a redução de normas da legislação tributária, a unificação de tributos, quando for possível, e a facilitação do cálculo e pagamento de tributos.

Não se resume a simplificação tributária na reunião de tributos contra a forma federativa de Estado, que atribui impostos privativos a cada ente da Federação como fez a reforma tributária sob comento. A multiplicidade de tributos, por si só, não atenta contra o princípio da simplicidade.

A Emenda Constitucional nº 132/2013, que promoveu a reforma tributária parcial unificando os tributos incidentes sobre o consumo, contém 491 normas, ao passo que o Regulamento do IBS/CBS/IS, aprovado pela Lei Complementar nº 214/2025, contém 542 artigos que se desdobram em parágrafos, incisos e alíneas formando um conjunto de quase 1.000 normas.

Onde a simplicidade do sistema tributário?

Neutralidade fiscal

A neutralidade fiscal se insere no campo da política tributária eleita pelo governo, de sorte a estabelecer que os impostos causem o mínimo de distorção possível nas decisões econômicas das fontes produtoras de riquezas.

Em outras palavras, o peso da carga tributária não deve influenciar na escolha do consumo, do investimento, ou da alocação de recursos.

Para tanto, o sistema tributário não deve favorecer ou prejudicar setores específicos, devendo manter o princípio da livre concorrência.

Ora, a reforma tributária sob comento mantém a redução da alíquota-padrão de 26,5% em 30%, 50% e 60% causando distorções na demanda, direcionando os consumidores de produtos e de serviços. Só para ilustrar, no setor de saúde e remédios há centenas de produtos favorecidos por diferentes reduções, direcionando a escolha dos consumidores.

A neutralidade fiscal é incompatível com os diferentes incentivos fiscais como isenção e redução de alíquotas, com exceção daqueles voltados para a redução de desigualdades socioeconômicas entre as várias regiões, do país, como os estados localizados nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, que são pobres se comparados com os estados situados nas Regiões Sul e Sudeste.

 

Eficiência tributária

Significa eleição de política fiscal que busca maximizar a arrecadação tributária com o menor custo arrecadatório possível, e minimizando ao máximo a carga tributária tanto para o ente político tributante, como para o contribuinte. Esse princípio articula-se comos princípios dea simplicidade e da neutralidade fiscal.

Ora, a reforma tributária sob análise criou o Comitê Gestor, uma autarquia federal que executa funções de Estado como se fosse um quarto poder de República (arrecada e distribui o IBS aos estados e municípios e julga em última instância administrativa os processos tributários).

Para desempenho dessas atribuições o Comitê Gestor cobra 60% da arrecadação do IBS de 2026, e 50% da arrecadação nos exercícios subsequentes.

Em relação aos contribuintes criou-se um caos legislativo com a produção de burocracia infernal em escala industrial.

O quadro atual, com certeza, será agravado com a elaboração de outras normas dotadas de sadismo burocrático, pois o Comitê Gestor ganhou o poder normativo e o poder de interpretar as normas que vier a elaborar.

Onde a eficiência tributária?

Essa reforma tributária, que destrói o único sistema tributário esculpido pela Constituição de 1988 e compatível com a peculiaridade da Federação Brasileira, foi um grande embuste do começo ao fim, com a ajuda da mídia “estatizada” que foi decisiva na arte de enganar a população leiga.

De forma cínica embutiu uma trava de 26,5% na alíquota do IBS, dispondo que na eventualidade dessa alíquota vir a ser superada em 2033, quando os estados e municípios fixarem as suas respectivas alíquotas, o governo irá enviar ao Congresso Nacional projeto legislativo para reconduzir a carga tributária ao patamar de 26,5%.

Ora, é questão matemática! Se somarem à alíquota-padrão de 26,5% às alíquotas estaduais e municipais é claro que essa alíquota-padrão irá se elevar, descabendo especular com a hipótese eventual.

Enfim, a reforma tributária implantada pela EC nº 132/2023 e regulamentada pela LC nº 214/2025 atropelou os três pilares anunciados enfaticamente na exposição de motivos subscrita por seus autores, jejunos em direito e despidos de bom-senso.

 

SP, 3-2-2025.

 

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 6.032, de 4-2-2025.