Fonte: Jornal SP Norte - 6/5/2024
Está em discussão, hodiernamente, uma questão antiga, há décadas, sobre o porte de drogas, mais especificamente, da conhecida popularmente como “maconha”. Tema que suscita dúvidas quanto à descriminalização, se é crime, se deve ser tratada como, apenas um ato ilícito, se deve ser estabelecido um parâmetro quantitavo, como deve ser interpretada a situação financeira e econômica do portador, se vai favorecer ou prejudicar o traficante, se criará um problema social com o aumento de usuários e viciados, como consequência da liberdade.
No âmbito jurídico, requer um estudo de hipóteses previstas de porte para uso próprio, porte para tráfico, uma presunção devido à quantidade intermediária e o indubitável tráfico. Conduz a um estudo da lei no tempo a favor de lei mais nova, bem como, da hierarquia das normas. Inafastável, também, a definição, se deve ser oferecida pelo poder legislativo, competente para a matéria ou cabe ao poder judiciário, porque o assunto tramita nos dois, ou será tarefa do primeiro, permitindo a atuação do segundo, nos litígios concretos, para colmatar as omissões do poder legislativo, até quer este cumpra suas funções de legislar.
Com o Decreto – Lei nº 3.914 de 9 de dezembro de 1941, em seu artigo 1º: “Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente”.
Este Decreto – Lei, conceitua o crime e a contravenção considerando a pena de reclusão, a detenção a prisão simples, alternativa, isolada ou cumulativa com a pena de multa. O texto é conducente a afirmações, que não alcança o porte de drogas, no caso “maconha”, não se caracterizando como crime, mas como um ato ilícito, se não houver prisão, detenção, reclusão e ou multa.
Ocorre que o Decreto – Lei de 1941, exige uma interpretação sistemática, o respeito às leis mais novas, conforme o Decreto – lei 4.657, artigo 2º, §1º, de 4 de setembro de 1942, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. Impõe-se, ainda, hierarquicamente, o comando superior da Lei das Leis.
Diz o artigo 28 da Lei 11.343/2006: “Comprar, guardar ou portar drogas sem autorização para consumo próprio. Penas; I – advertência sobre os efeitos das drogas; II – prestação de serviços à comunidade; III – medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo”. O §1º, do artigo 28, expressa que: “`As mesmas medidas submetem-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe, plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica”. E, no §2º, “Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sóciais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”. Convém destacar que a matéria está no Título III, capítulo III, ao tratar dos crimes e das penas, artigos 27 a 30, da Lei 11.343/2006.
Em seu artigo 5º, inciso XLIII, a Norma Maior expressa: “a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes os executores e os que, podendo evita-los, se omitirem”.
O dispositivo é rigoroso para, entre outros crimes, o tráfico ilícito de entorpecentes. Embora presumida para uso próprio, a quantidade, a ser estabelecida, poderá ter outro destino e o tratamento é de crime. Resulta na importância da determinação da presunção relativa e/ou absoluta, bem como, das condições econômicas e financeira do suspeito, a par das demais circunstâncias.
O artigo 5º, inciso XLVI, da Constituição, determina que “a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos…”
Mais uma vez chegamos à ideia de crime. Temos o estabelecimento das penas. Entre outras, são citadas algumas. Apenas para exemplificar poderemos destacar a prestação social alternativa que coincide com a prestação de serviços à comunidade, prevista na Lei 11.343/2006, artigo 28, para o portador de drogas para uso próprio.
Conforme o artigo 60, §4º, inciso IV, o Texto Máximo determina: “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir; … os direitos e garantias individuais”. Quer dizer, veda a deliberação para abolir direitos, estabelecendo as chamadas cláusulas pétreas. Por maior razão as mais pétreas das cláusulas pétreas, substanciada no Título II, dos Direitos e Garantias Fundamentais, Capítulo I, dos Direitos e Deveres Individuas e Coletivos, do artigo 5º. Os conceitos emitidos não podem ser abolidos, embora possam ser melhorados. Tratam de crimes, penas e prisões. Estes estão nas leis e na Constituição e têm finalidades de punir e reeducar, com a retribuição do mal causado, de prevenir a reincidência ou o cometimento de novos crimes e ressocialização do indivíduo infrator. Previne tanto a sociedade quanto o infrator.
Depreende-se, do exposto, que se trata de crimes e penas, capitulados como tal na lei e na Constituição Federal, as quantidades pretendidas de 25 a 60g ou 6 plantas fêmeas para porte, presumidas para uso próprio ou tráfico. A quantidade até 24g, que também é crime, passará a ser livre, portanto descriminalizada. Ainda que, se presuma 25 a 60g de maconha para uso próprio, continua classificada como crime e com suas penas, mesmo mitigadas.
A questão requer estudos do custo benefício, para as providências a serem tomadas. Por um lado, a preocupação com o aumento dos viciados pela liberdade e descriminalização até 24g, o grau de nocividade à saúde, os problemas sociais. Lado outro, temos as consequências facilitadoras aos traficantes, os quais trabalham com inúmeros entregadores, com a liberdade, com as penas mitigadas até 60g. É certo que a liberdade e as penas aliviadas poderão diminuir “a clientela” do tráfico pela aquisição direta, mas pelos mesmos motivos incentivarão os fornecedores mais encorajados.
Levando-se em consideração o uso com o a posse de até 24g de maconha, o crime deixará de ser punido. O porte, para uso próprio, de 25g até 60gramas, continuará com a punição, embora mais branda. Convém lembrar que é uma presunção de uso próprio e se for “juris tantum”, admite prova em contrário e a pena será mais grave, a do tráfico. Entretanto, sendo “juris et de jure”, não poderá haver prova em contrário. Resume-se em uma descriminalização parcial, com o porte até 24g.
Trata-se de estabelecer novas regras, com parâmetros para liberdade, para uso próprio e para o tráfico. É uma tarefa do poder Legislativo em sua função constitucional. Restará, ao Poder Judiciário, agir nos casos concretos, aplicando as normas ou agir para colmatar as omissões legislativas, enquanto existirem.