(O Estado de S.Paulo)

Li neste jornal em 26 de junho que, dos 125 projetos de mobilidade urbana que deveriam atender o Brasil na Copa do Mundo e nos Jogos Olímpicos, somente 18% foram concluídos. Dezenas de sistemas de BRTs, VLTs e monotrilhos, concebidos não apenas para servir à população das grandes cidades durante os dois eventos, mas para ficar como legado de desenvolvimento no País, ainda não saíram do papel.

Trazendo dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) e do governo federal, a reportagem atribui o atraso a motivos pontuais, como falta de dinheiro ou erros de planejamento que emperram a liberação de recursos, demandam outros orçamentos ou até inviabilizam obras por completo. Sem discordar de tais avaliações, creio haver um obstáculo mais desafiador no caminho da mobilidade urbana no Brasil. Pois, enquanto a questão for tratada isoladamente, dissociada de políticas de planejamento urbano, habitação, educação, saúde e desenvolvimento econômico, temo que a maioria dos projetos concebidos esteja fadada ao fracasso.

Introduzido com impacto na pauta nacional a partir das grandes manifestações de 2013, o tema da mobilidade urbana se mostra cada vez mais um desafio transversal para nossos gestores públicos. Dificilmente uma solução isolada resolverá um problema que, por natureza, é multifacetado.

Essencialmente urbano, o Brasil vive as consequências de uma explosão demográfica mal administrada. O crescimento desordenado das cidades empurrou moradias para locais distantes dos núcleos de trabalho e de outros serviços urbanos, o que, aliado à deterioração da qualidade do transporte público, conduziu a um país com franca preferência pelo transporte individual. Mais da metade da população (54%) tem algum veículo motorizado em casa (carro ou moto), de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (Pnad 2012) - 42,4% são de carros. Preferência que encontra respaldo em políticas recentes de incentivos fiscais à indústria automobilística e de facilidade de financiamento para a compra automóveis.

As consequências dessa escolha são bem conhecidas: congestionamentos, poluição, queda de produtividade e baixa qualidade de vida. Isso sem falar nos acidentes e mortes no trânsito e nos múltiplos malefícios à saúde. Enfrentar tais desafios exige soluções de infraestrutura e sistemas de transporte coletivo mais econômicos, eficientes e integrados. Não à toa, a área da infraestrutura de transportes é um dos temas contemplados, neste ano, pelo tradicional Prêmio Fundação Bunge, um dos mais prestigiosos estímulos à produção científica nacional.

Mas essa é apenas parte do problema. Se mobilidade urbana significa não apenas como as pessoas se locomovem, mas também por onde, em que circunstâncias e com quais objetivos, cabe repensar a própria ocupação de nossas cidades. Para citar estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada, “Desafios da Mobilidade Urbana” (Ipea, 2016): “O desafio é estabelecer políticas de aproximação da população mais pobre às áreas de maior dinamismo econômico-social, ou no sentido inverso, promover maior desenvolvimento às áreas mais carentes dos aglomerados urbanos”.

Além disso, seja diminuindo o tempo e melhorando as condições de deslocamento, seja encurtando distâncias por meio de reordenamento territorial, o estímulo para que a população utilize mais os transportes coletivos, desloque-se mais a pé ou de bicicleta exige ainda outras garantias, como, por exemplo, a segurança. Quando até mesmo o envelhecimento da população influencia a questão da mobilidade - mais idosos significam menos passageiros pagantes -, torna-se inegável que a tarefa que temos diante das mãos só poderá ser cumprida com um entendimento mais abrangente e integral do problema.