(Folha de S.Paulo)
 Dircêo Torrecillas Ramos

STF violou princípio de separação dos Poderes ao definir rito de impeachment? Sim
Papel da Câmara foi esvaziado

A instauração do processo de impeachment vem despertando posições antagônicas. Alguns entendem que, se autorizado pela Câmara dos Deputados, o processo obrigatoriamente deverá ser instaurado pelo Senado. Outros admitem que o Senado poderá decidir, por maioria simples, se o instaura ou não.

Alguns afirmam que um ato de tal gravidade exige cuidado na admissibilidade. Para outros, o Senado seria uma espécie de Câmara Alta e, como tal, não deveria ser sobreposto por decisões da Câmara Baixa, a dos Deputados.

Alguns pontos precisam ser esclarecidos nessa discussão. A Câmara representa o povo; o Senado, os Estados. A primeira é composta por 513 membros, o que lhe confere, diante da gravidade do impeachment, um peso maior do que o do Senado, com 81 integrantes.

Outra observação é que não há hierarquia entre a Câmara e o Senado. Ambos têm competências estabelecidas na Lei Maior, distintas e conjuntas ao formarem o Congresso Nacional. Não há sobreposição de uma ou de outra. Um projeto de lei pode ser iniciativa de qualquer uma e seguir para a outra. Para ser autorizado e julgado, com a consequente perda do mandato, o processo do impeachment precisa do aval de dois terços da Câmara e do Senado, respectivamente.

Por isso, causam estranheza alguns pontos do rito definido pelo STF. O impeachment precisa dos votos de 342 deputados (dois terços da Casa) para ser autorizado, mas pode ser recusado por maioria simples no Senado (presentes mais da metade, 41 dos 81 senadores). A Câmara perde, assim, sua função de representante do povo.

O artigo 86 da Constituição diz: “Admitida a acusação contra o presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade”.

O texto é claro: admitida a acusação pela Câmara, o presidente “será” julgado pelo Senado nos crimes de responsabilidade. O artigo não diz que os senadores podem recusar a instauração do processo.

É competência privativa da Câmara autorizar o processo, assim como é papel exclusivo do Senado processar e julgar o presidente nos crimes de responsabilidade.

Somente a partir da instauração do processo, no plenário do Senado, o presidente seria afastada do cargo, por até 180 dias, até o julgamento final. Verifica-se que cada Casa do Congresso tem suas competências e importâncias. Tirar as atribuições exclusivas da Câmara seria aniquilá-la. Neste caso, para que serve o texto constitucional? No caso presente, o STF, ao dar poderes ao Senado para decidir por maioria simples contra a autorização da Câmara, legisla, invade competência normativa de outro poder.

Toda a celeuma instigada pelo processo de impeachment poderia ter sido esclarecido “interna corporis”, sem a Suprema Corte, com julgamento político, pelo Poder Legislativo encarregado e especializado na oportunidade e conveniência que a matéria requer.

Também considero que o Supremo se equivocou ao argumentar que não é permitido o voto secreto na eleição da comissão especial da Câmara que analisa o impeachment.

O artigo 188, inciso terceiro, do regimento interno da Câmara, supletivo da Lei, determina “escrutínio secreto” para as eleições. O segundo parágrafo do artigo, que trata das exceções ao sistema secreto, não faz qualquer referência às eleições nas comissões.