O Imparcial - Opinião - 12/02/2022
A palavra é o signo que melhor identifica o humano. O homem é um bicho que fala. Não venham argumentar com o papagaio. Ele apenas repete os sons que ouve. Não consegue articular um pensamento servindo-se dessa justaposição de sons que formam o entendimento.
No Brasil destes últimos anos registrou-se um fenômeno indesejável. O “discurso de ódio”, que separa as pessoas, em lugar de uni-las. Esse discurso machuca. Há muitas pessoas que sabem o quão feridas restaram, sem que houvesse necessidade de manejo de qualquer instrumento material. Foram feridas pela linguagem.
A linguagem é algo que atua e pode atuar contra nós. Paradoxo, porque somos seres linguísticos, necessitamos da palavra para existir. O insulto é uma agressão profunda. Uma das mais comuns e primitivas formas de injúria linguística é ser chamado de algo. Algo feio, algo nojento, algo que ofende. A linguagem tem um contundente poder de ferir. Quem é injuriado, recebe um epíteto, é alvejado com uma espécie de rótulo ou carimbo que o discrimina. Quando alguém é chamado de algo injurioso, é também menosprezado e humilhado.
No livro “Discurso de ódio”, Judith Butler examina vários aspectos desse fenômeno hoje tão disseminado. Para ela, o insulto racial tem efeitos semelhantes aos da dor física ou de um ferimento. O ataque verbal representa um tapa na cara. O ferimento é instantâneo. Produz sintomas físicos que incapacitam temporariamente a vítima. Daí a íntima conexão entre a injúria verbal e a injúria física.
Nem sempre o ofensor tem noção de que está machucando dessa forma o alvo de sua fúria. O problema é que tais injúrias – a palavra é aqui usada sem a precisão técnica dos delitos contra a honra, tipificados no Direito Criminal brasileiro como injúria, difamação e calúnia – nem sempre são proferidas com violência verbal. Pode ser uma palavra melíflua, mas com o revestimento de fel que vai atingir a sensibilidade do outro, deixando-o sem ação.
Quão poderosa é a palavra! A humanidade chegará um dia a dominar a arte de se servir dela apenas para fins benéficos, altruísticos, enaltecedores? Até quando estaremos mergulhados no discurso do ódio?
José Renato Nalini - Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove (Universidade Nove de Julho) e presidente da Academia Paulista de Letras – gestão 2021-2022